Miguel Coquilho
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Origem e objecto do trabalho.
Titulo: Pedro Nunes
Subtítulo: Semanário republicano
Local: Alcácer do Sal
Periodicidade: Semanal
Propriedade: Comissões de Grândola, São Tiago do Cacem, Alcácer do Sal e Torrão
Direcção: Adriano Augusto de Matos
Administração: António Manuel Telles
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A perspectivação que o jornal Pedro Nunes, ao longo do período de dois anos (1908-09) compreendeu, remete-nos para o estudo dos últimos anos da monarquia, caracterizada pelo agravamento da instabilidade governativa, que viria a culminar com a ditadura de João Franco Pinto Castelo – Branco. Iniciara sua carreira política como deputado do partido regenerador na cidade de Guimarães em 1886. Ulteriormente em 1893, atribui um conjunto de criticas à vida administrativa e financeira do partido progressista, a que se seguiu a recusa em continuar em participar no governo do partido regenerador, no período compreendido de 1897-1900, dando origem com a sua desidência ao partido regenerador liberal.
Centrando o seu ideário num novo tom messiânico que remetia para uma nova vida, objectara o arbítrio propugnado pelos esquemas rotativistas, numa base constitutiva nacional, supra partidária. cujo desiderato seria a constituição de uma monarquia de cariz despótico, em que as preocupações sociais seriam prioritárias, mediante um Estado mais interventor[1]no período designado por franquismo.
Iniciado quando D. Carlos lhe resolve atribuir o poder, como de um homem providencial se tratasse, autorizando-o a formar governo em 17 de Maio de 1906 perante o agravamento da crise financeira que por Portugal perpassava. A que era inerente cada vez mais a ameaça de bancarrota, resultante da precedente politica financeira preconizada pelo fontismo. Junto aos escândalos da campanha dos tabacos e consequente demissão de Hintze Ribeiro. Visto a conflituosidade entre o liberalismo monárquico e neoliberalismo republicano, se encontrar cada vez mais agudizada.
O que levara Franco a reconhecer que a sua continuidade no governo, só estaria assegurada, caso fosse viável um conjunto de medidas, mediante a construção de uma estratégia legislativa, tendente à redução da liberdade de expressão/informação num clima de censura aos jornais existentes, propalado pelos governadores civis; controle das eleições municipais; maiores competências aos juízes de instrução criminal; por fim, a questão dos «adeantamentos» à casa real, com que mantinham os palácios e tudo que lhes estivesse acoplado. Directamente conexionados com as enormes dividas que possuíam face ao erário público. Que Franco intitulara de ilegais, a fim de comprometer os ministros antecessores que teriam atribuído anonimamente ao rei quantias, afirmando-se desta forma como «único estadista honesto e liberal da história portuguesa»[2]
Vindo a despoletar a propaganda republicana contestatária à monarquia, segundo a qual não estavam reunidas as condições necessárias para levar a cabo um conjunto de reformas, perante o total descrédito que o país se mantinha a atravessar. Patente no índice de trabalhadores descontentes com as dificuldades diárias que passavam., progressivamente mais identificados com republicanismo.
Que se prendia ao desenvolvimento de toda uma estratégia que pretendia por em prática, conducente á tomada de poder que viria a culminar com a revolta de 5 de Outubro de 1910. Assumindo-se como alternativa, direccionando seus interesses para a construção de uma base eleitoral de apoio dirigida sobretudo aos meios rurais, visto Portugal ser predominantemente um país onde abonava a ruralidade[3]. Estruturando – se em comissões politicas paroquias, municipais e distritais.
Que o periódico republicano Pedro Nunes constituíra exemplo, ao se instituir em órgão das comissões politicas de Grândola, São Tiago do Cacem, Alcácer do Sal e Torrão do Alentejo, quando veiculou as suas criticas à monarquia cada vez mais débil e condicionada pela subserviência ao estrangeiro. Enquadrada pelo sintomático alheamento e desprezo pelos problemas nacionais, que cada vez mais a desacreditavam. Iludidos com o programa de governo, cada vez mais afastado da população pouco instruída, farta de ser mal governada, que se reflectira aquando as eleições[4].
De forma a combater esta corrupção implicava educar civicamente o povo, tornar os cidadãos mais cultos, para isso só havia uma saída possível mas, para alcança-la, seria necessário tornar os portugueses mais capazes, conscientes dos seus deveres enquanto cidadãos, eliminando o analfabetismo, com maior número de escolas para que assim pudessem ser mais frequentadas, instaurando a plena democracia. Conjuntamente com a crítica à máquina eleitoral vigente, através da mobilização do eleitorado, exercendo de forma premente a sua cidadania[5]. Face à complexidade da situação que só seria possível resolver na sua plenitude, se fosse debelada a questão económica[6].
Deveria ser às influências exercidas na educação promovida. Nomeadamente as concernentes ao jesuitismo e catolicismo que surgiam correlacionados. Porquanto objectivavam a manutenção de um estado teológico e metafísico no ensino divulgado no país. Cujos interesses conflituantes com a democracia, defendiam a monarquia como regime, objectando ao progresso com a divulgação da doutrina ultramontana. Assim sendo estabelecera-se as criticas às congregações instituídas, expondo o papel do jesuíta, conotado com a dominação e exploração do povo[7]. Perseguidores da imprensa opositora ao regime «o gabinete negro funciona franquisticamente urdindo a teia em que envolve o depauperado arcaboiço da imprensa já tão espicaçado pelo cumprido aguilhão das querelas»[8]
Por seu turno ganha relevância gradualmente o laicismo, com a construção de um projecto educativo, subtraindo o cidadão à influencia exercida pela socialização dos valores religiosos, tornando-o racional e autónomo e imune à politica da religião. Na exacta medida em que seria necessário formar uma opinião pública, de modo a levar a cabo a secularização das instituições, promovendo a completa laicização da sociedade. Único modo de republicanizar na totalidade a sociedade.
Neste contexto importava ao Estado criar as condições necessárias, obstando à leccionação dos reaccionários monárquico – clericais, «dai que a tendência hegemónica no anticlericalismo republicano estivesse ciente, de que a inoculação de uma moral social livre de qualquer fundamento transcendente e a interiorização de uma religiosidade de vocação exclusivamente cívica, desempenharia a função sociabilitária que coube à religião até ao advento da era da positividade»[9].
Então poder-se –à dizer que o resultado deste combate por parte do jornal Pedro Nunes ia de encontro à emancipação do individuo, única maneira de contrariar o caciques instaurados desde as grandes cidades até às províncias. Seleccionados entre os notáveis locais segundo o seu estatuto social, o que lhes conferia maior preeminência patenteada nas elites possidentes concelhias com maior controlo dos recursos.
Mediando os interesses do poder local junto da administração central, valendo-se do seu prestigio profissional. Distribuídos por uma categorização profissional diversificada abrangente, que comportava: advogados; médicos; professores e padres. Angariando o conjuntamente com os seus dependentes por entre a população o maior numero de votos, na expectativa de serem ressarcidos de bens e empregos para si como para sua família[10].
Retratado pelo Pedro Nunes quando referencia a percentagem de votos à altura das votações, expressando que o voto na maior parte das localidades, do nosso pais, não chegava a uma décima parte da população residente que ao voto tinha direito. Ao que se juntava a inexistência das mesas eleitorais, que na maioria das vezes nem chegavam a ser construídas, apesar de se encontrarem registadas em acta, o que obscurecia totalmente todo o processo eleitoral[11].
Porquanto os caciques, perpetuavam a exploração económica servindo-se da miséria instaurada nos votantes, cerceando-lhe em larga medida a independência aquando o voto[12]. O que denota que o Pedro Nunes indiciava uma matriz republicana socializante explicita na defesa da associação e o colectivismo, de acordo com o imaginário social republicano. Ao evidenciar com a «associação» as condições necessárias de molde á sociedade civil se autonomizar[13].
Concertando as opiniões com a coesão de todos os princípios e ideias, com o apelo à organização das classes existentes, como de exércitos se tratassem guerreando por maiores reivindicações sociais – única forma de evolucionar a sociedade, alcançando a democracia. Sistematizado num «colectivismo» incompatível com o individualismo que negava as leis do progresso e da evolução, o que originava que o povo português fosse do mais refractários a associar-se[14].
O que determinara que inequivocamente o acto eleitoral existente se fundamentasse na ignorância, tendo como mote a opressão das classes inferiores pelos mais privilegiados, a quem subsequentemente estaria implícito um tributo, fôro, que por conseguinte fez com que o voto em Portugal representasse um «mecanismo do regime feudal», resultante da apatia por parte do Estado quanto à generalização de um sistema educativo condizente com a necessário aperfeiçoamento do homem[15]. Postulado que se traduzia pelo respeito das convicções de cada um, valor fundante que levara à construção da Republica Universal[16] A que se inferia a critica aos falsos orientadores de consciências, manifestando o seu apelo ao proletariado enquanto base social de apoio do republicanismo, desconhecedores dos direitos que o assistiam[17].
Noutra vertente o federalismo, ao qual estava subjacente um modelo político e administrativo que procurava acentuar sobretudo a corrente municipalista. No seu ideário radicava a critica ao estado unitário e centralista por não promover o sufrágio universal, levada a efeito pela divisão da nação portuguesa em governos autónomos. Mediante um conjunto de propostas, com maior autonomia governativa e administrativa para os intitulados grupos naturais detentores do poder, como os municípios, paróquias e províncias em que o poder central permaneceria assente numa assembleia federal entretanto eleita por sufrágio directo, da qual dependia por delegação o poder executivo.
Visava reconhecer maior representatividade das minorias, exponenciando maior representatividade para a vontade popular. O combate «à independência dos eleitos em relação aos eleitores veio a concretizar tanto quanto possível o antigo ideal da democracia directa, pois o candidato ficava explicitamente vinculado a um programa e, caso o violasse no exercício do seu cargo, o mandato poderia ser revogado»[18] de acordo com a República Democrática e Federal Portuguesa que pretendiam implementar.
Viabilizada na crítica ao centralismo com o qual a monarquia corrompera a máquina eleitoral, negando o sufrágio universal, permitindo que o dinheiro permanecesse nas mãos de alguns favorecidos. Não criando riqueza pública, desbaratando sim o erário publico. Subsequentemente os níveis de desemprego aumentariam, como também a carestia da vida, que o Pedro Nunes explícita quando nos diz que:
«….esse numeroso pessoal, organizado hierarquicamente e fortemente disciplinado é o mais poderoso instrumento de despotismo – que outro não é o regime centralista. Os defensores de um tal sistema invocam para o justificarem o pretexto seguinte: que as localidades, como os simples cidadãos, carecem absolutamente de capacidade administrativa. E dai a dura necessidade de se submeterem com se fossem menores à tutela doa Estado. «eles(realeza) são suficientemente hábeis para reconhecer que a melhor escora da realeza, desacreditada e periclitante, com está entre nas o sistema centralista.Com poderia ele sustentar-se , se não tivesse dependente da sua mão todas as forças vivas do país? Como poderia sem a poderosa máquina centralista corromper, ou violentar o sufrágio?»[19]
Conclusão
Terminada a analogia ao Jornal Pedro Nunes, verifico que o seu principal objectivo seria propagandear o novo ideário republicano, criando as condições necessárias à implementação de um regime democrático, levado a cabo construindo um projecto educativo direccionado ao cidadão.
O que por seu turno implicava anular as barreiras instituídas, na medida em que insistiam em perpetuar um horizonte mental que não se compadecia com a república universal que o republicanismo advogava. Efectivado pelo Pedro Nunes quando procurara por em prática uma politica desenvolvimentista conducente à maior autonomia, com base num ensino racional e progressivo de molde a evolucionar a sociedade. Com efeito interessava combater os poderes presentes, destacando-se uma monarquia decadente, coadjuvada por uma religiosidade cerceadora da liberdade individual patenteada na companhia de Jesus. Indiciada pela a monarquia – constitucional que até 1908-09 vigorara, quando defendera a funcionalização do clero, de molde a assegurar a construção de uma novo Estado – Nação. O que para o republicanismo não seria o bastante, defendendo em alternativa uma religião cívica. Descristianizando o estado com a secularização das instituições, veiculada por um ensino neutro levado a efeito por uma escola neutra. Construindo uma opinião publica esclarecida aquando a realização das eleições.
Assim sendo o Pedro Nunes revela as medidas opressoras postas em prática por um centralismo – unitarista redutor e/ou corruptor da autonomia local, com uma matriz federalista – socializante, promovida por um colectivismo obstrutor do individualismo, veiculando maior união entre o conjunto formado por todos os cidadãos. Aduzindo directamente ao caciquismo que estendiam a mão do poder central às províncias, onde se encontrava o maior numero de votantes, dado que Portugal sobretudo seria um Pais rural.
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Fontes:
Jornal Pedro Nunes: anos 1908 e 1909
Bibliografia:
ALMEIDA, Pedro Tavares de
Eleições E Caciquismo No Portugal Oitocentista (1868-1890). Lisboa, Difel, 1991.
CATROGA, Fernando
O Republicanismo em Portugal da formação ao 5 de Outubro de 1910, Lisboa, Editorial Noticias, 1991.
MARQUES, António H. de Oliveira
Ensaios de História de 1 republica Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 1988.
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[1] Vide Fernando Rosas «João Franco» in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, p 271.
[2] Vide, Rui Ramos, João Franco e o Fracasso do reformismo liberal (1884 – 1908), por página
[3] Vide A H. de Oliveira Marques, Ensaios de História da 1 República Portuguesa, p.12.
[4] Vide «Depois da Tragédia» in Pedro Nunes nº81, de 9/02/1908, p1.
[5] Vide Alda Guerreiro «Instruir é vencer» in Pedro Nunes nº133 de 14/02/1908,p.1.
[6] Vide Brito Camacho «O problema da miséria» in Pedro Nunes nº138 de 21/03/1908,p.1.
[7] Vide Jacinto Nunes, «A liga anti – clerical ou anti – jesuítica» in Pedro Nunes nº 105 de 7/08/1908, p.1
[8] Vide Styl, «Chronica de Lisboa» in Pedro Nunes nº130 de 24/01/1908, p.1.
[9] Vide, Fernando Catroga, «O laicismo» in O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910, p.221
[10] Pedro Tavares de Almeida, «Caciques, galopins e clientes» pp129-131.
[11] Vide «Semana Politica» in Pedro Nunes nº85, de 8/03/1908.p.2
[12] Vide «Semana Politica» in Pedro Nunes nº90, de 12/04/1908,p.1.
[13]Vide, Fernando Catroga, As organizações republicanas. Movimento Politico e Partido. O Associativismo e os direitos sociais» in O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910,pp.11-43.
[14] Vide Benjamim A. Rodeia, «Associação» in Pedro Nunes nº86, 15/03/1908, p.1.
[15]Vide «Semana politica» in Pedro Nunes nº88, de 29/03/1908, p.1.
[16] Vide «O que é ser republicano» in Pedro Nunes nº105, de 7/08/1908,p.1.
[17] Vide Jorge Nunes «Instrução, liberdade e Progresso» in Pedro Nunes nº111, de 13/10/1908.
[18] Vide Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910,p.46.
[19] Vide Jacinto Nunes, «O Regime centralista» i n Pedro Nunes nº119, de 8/11/1908,p.1.
[1] Vide Fernando Rosas «João Franco» in Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, p 271.
[2] Vide, Rui Ramos, João Franco e o Fracasso do reformismo liberal (1884 – 1908), por página
[3] Vide A H. de Oliveira Marques, Ensaios de História da 1 República Portuguesa, p.12.
[4] Vide «Depois da Tragédia» in Pedro Nunes nº81, de 9/02/1908, p1.
[5] Vide Alda Guerreiro «Instruir é vencer» in Pedro Nunes nº133 de 14/02/1908,p.1.
[6] Vide Brito Camacho «O problema da miséria» in Pedro Nunes nº138 de 21/03/1908,p.1.
[7] Vide Jacinto Nunes, «A liga anti – clerical ou anti – jesuítica» in Pedro Nunes nº 105 de 7/08/1908, p.1
[8] Vide Styl, «Chronica de Lisboa» in Pedro Nunes nº130 de 24/01/1908, p.1.
[9] Vide, Fernando Catroga, «O laicismo» in O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910, p.221
[10] Pedro Tavares de Almeida, «Caciques, galopins e clientes» pp129-131.
[11] Vide «Semana Politica» in Pedro Nunes nº85, de 8/03/1908.p.2
[12] Vide «Semana Politica» in Pedro Nunes nº90, de 12/04/1908,p.1.
[13]Vide, Fernando Catroga, As organizações republicanas. Movimento Politico e Partido. O Associativismo e os direitos sociais» in O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910,pp.11-43.
[14] Vide Benjamim A. Rodeia, «Associação» in Pedro Nunes nº86, 15/03/1908, p.1.
[15]Vide «Semana politica» in Pedro Nunes nº88, de 29/03/1908, p.1.
[16] Vide «O que é ser republicano» in Pedro Nunes nº105, de 7/08/1908,p.1.
[17] Vide Jorge Nunes «Instrução, liberdade e Progresso» in Pedro Nunes nº111, de 13/10/1908.
[18] Vide Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 de Outubro de 1910,p.46.
[19] Vide Jacinto Nunes, «O Regime centralista» i n Pedro Nunes nº119, de 8/11/1908,p.1.