UM PERIÓDICO LOCAL DURANTE O ESTADO-NOVO
Miguel Alexandre Merêncio dos Reis Coquilho
HISTORIADOR
Introdução
Com esta dissertação vou estudar o salazarismo, segundo a óptica defendida pelas elites locais cristãs presentes no periódico Voz do Sado.
Repartindo a analogia, pela caracterização politico – ideológica do regime; sociedade; processo de secularização (da qual infiro o seu diálogo com a cultura contemporânea) a partir da qual aumentara a tolerância; colonização portuguesa, e por fim, a politica educacional presente.
1 Ideário e génese presentes no Voz do Sado – Voz do Sado, órgão da paróquia de Alcácer do Sal editado pela primeira vez em 1959 pelo cartório paroquial. A direcção estava a cargo do Reverendo Prior Luís de Nascimento Silveira, pároco de Santiago, residente em Alcácer do Sal.
Tinha como princípio norteador o desenvolvimento pessoal mediante uma consciência formativa dirigida a todos os munícipes residentes e emigrantes. Subjacente à defesa de um ideário cristão, conservador, tradicional, civilizacional, imutável à corrupção do materialismo, protestantismo, e comunismo que faziam perigar o normal equilíbrio societário existente em pleno Salazarismo
Caracterizado na sua génese, ao nível político ideológico, pelo superamento das influências exercidas pelo Liberalismo, ao recusar os fundamentos liberais, democráticos e parlamentaristas do Estado, infira-se da liberdade e da soberania popular enquanto conceitos legitimadores do regime. Ultrapassando a debilidade que fora provocada pela primeira republica.
Filiou-se nas reacções nacionalistas e autoritárias que percorriam toda a Europa. Na medida em que Salazar, ao recusar o individualismo liberal, recusara uma índole totalitária omnipotente. Constituindo um Estado «Novo» que materializava uma plataforma comum antiliberal, antiparlamentar, anti – socialista, corporativa e autoritária de toda a burguesia[1]. As únicas limitações seriam a «Moral» e os «princípios do direito das gentes, pelas garantias e liberdades individuais»[2]em que a ética prevaleceria sobre o Estado de direito constitucionalizado, distinguindo-se assim do fascismo e do nazismo. Evitando com este primado da moral e juricidade constitucional a «estatocracia». Afigurando-se mediante o poder moderado a destrinça face às ditaduras militares ou de partidos, criando-se em seu lugar a «ditadura da razão».
No seu ideário radicava uma matriz demo-cristã do ponto de vista ideológico completado pela vertente militar. Assente numa autonomia, nem sempre respeitada, do exército e da igreja ao longo do domínio de Salazar.
De índole nacionalista – autoritária, subordinou a organização política do interesse privado ao interesse corporativo nacionalmente organizado, dando primazia ao interesse nacional, relativamente aos interesses individuais. Subordinou constitucionalmente os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, às famílias, freguesias, autarquias e corporações, repousando a sua legitimidade[3] nos organismos componentes da nação defendidos pelo nacionalismo corporativo. Integrando a nação genuína no interior do Estado, por oposição aos partidos. Desta forma contrariando o individuo destituído de família, classe, profissão, meio cultural, defendido pelo liberalismo politico.
Reforçou o poder executivo, com a outorga das faculdades legislativas ao governo, derivando gradualmente a subordinação dos restantes poderes ao executivo. Porque não haveria nenhum Estado autoritário forte, enquanto este não fosse independente, estável, prestigiado e forte.
A constituição de 1933 consagrou a responsabilização do governo, unicamente, perante o presidente da república e não sob o parlamento. E o presidente da republica perante o nação, eleito por sufrágio directo, legitimando democraticamente o exercício das suas funções[4]. Numa ditadura de carácter civil, pessoal e policial, apoiada numa organização social corporativa sustentada por um operariado industrial/campesino rural, advindo desta disposição dos diferentes grupos sociais, maior poder de uma burguesia nacional débil e dependente[5], regenerando a nação.
O discurso político – ideológico, explicitava uma matriz integralista e católica conservadora, aliada às influências radicais e fascizantes, provenientes da guerra civil de Espanha e da ascensão do fascismo e hitlerismo, dando lugar à criação de um projecto doutrinário totalizante para toda a sociedade portuguesa, da qual resultaria um homem novo. Moldado de acordo com uma moral nacionalista, corporativa e cristã, que presidia à política, trabalho, lazer, vida familiar e educação dos jovens. Operando a imposição autoritária de todos estes valores, aos sectores da vida social activa[6].
2 Portugal em mudança – A realidade societária em 1960 já se teria alterado, resultante da implementação de uma politica desenvolvimentista iniciada durante a década de 50. Motivo pelo qual continha em si a transformação da estrutura social, vigorando em detrimento do isolamento, marcado por uma sociedade predominantemente rural, o contacto com os restantes países europeus, deixando pouco a pouco o país o seu atraso ancestral.
Iniciando-se um movimento de integração europeia, com a constituição de um mercado comum e a EFTA (associação europeia do comércio livre), criando as condições necessárias à formação e desenvolvimento de ligações internacionais, importantes no eventual desenvolvimento de ataques às posições coloniais de Portugal. Obtendo implicações politicas e institucionais, «com a criação de mecanismos de coordenação produtiva e de centralização comercial incompatíveis com os princípios do Estado – Novo»[7].
O país inicia, um processo transformador que acentuara uma drástica mudança, induzida pela progressiva industrialização e terciarização da sociedade e do tecido económico, abandonando progressivamente a mão-de-obra rural. A indústria tornara-se o sector económico socialmente determinante para o país.
Ao que se questionou, como seria possível efectuar a redução do desequilíbrio na eficiência produtiva entre os variados sectores produtivos, agrícola, industria e serviços, assegurando o nível de vida da população agrícola – rural perante a distanciação que insistia em imperar entre o nível de vida dos cidadãos que tiram o seu rendimento do sector industrial e dos serviços para que todos os que diariamente laboravam na terra não se sentissem ostracizados?[8].
O Voz do Sado, nesta nova sociedade em mudança, que dá lugar à passagem de um referencial de componente cristão tradicional, que efectivava o horizonte vivencial do comum português em detrimento da problemática de descristianização, pautada pela ultrapassagem do religioso, enquanto garante do enquadramento normativo social[9]. Representativo da concorrência da religião «com outras fontes de legitimação das práticas individuais e sociais, e por conseguinte, de enquadramento sócio -cultural». Estruturando-se a dicotomia, entre o século e o tempo atribuído a Deus. Permitindo a emancipação do homem e do mundo, relativamente à influencia, exercida pelas diversas instituições religiosas.
3 Processo de secularização – Não se podem isolar as manifestações da secularização, transversais a toda a sociedade, que vinha imperando. Neste contexto, a secularização traduziu-se num processo cultural que operava a superação da transcendência, confrontando a religião com a sua substituição pela ética.
Remetendo para uma fractura na sociedade, onde se manifesta uma subtracção da realidade e formas tradicionais instituídas do religioso, possibilitando a descrença e a irreligião […] Indiciando o «diferente» pelo dizer de forma autónoma as «realidades humanas, incluindo as vivências que se situam no interior dos múltiplos universos religiosos.
Por isso mesmo, as várias confissões religiosas encontraram-se confrontadas por uma pluralidade de referências de sentido e de verdade[10]. Reunidas as condições para que a passagem de um paradigma de construção da sociedade de perfeição do exterior ao comum, para a valorização do comum como lugar de santificação[11]. Aumentando exponencialmente a liberdade, dentro do qual, se podia expressar a consciência individual e o agir cívico. A concorrência da religião surge com outras fontes de legitimação da confessionalidade sociopolítica para uma sociedade onde a religião se encontra em concorrência com outros princípios e com outras fontes de legitimação das práticas individuais e sociais, e por conseguinte, de enquadramento sócio – cultural.[12]
O Voz do Sado defende que o «dialogo entre a igreja e a cultura contemporânea fluí como escopo de um factor básico, como condição de exigência e necessidade, e ainda, como processo de deduzir a verdade, integrando aquela, devidamente actualizada nos meandros, nos caminhos e nas encruzilhadas da vida humana dos nossos dias, predisposto a defendê-la e a engrandece-la por outras palavras com um processo de «eclisialização» da humanidade a par de uma secularização santificadora»[13] veiculando o secularização, a atribuição de um desafio dinamizador, mediante o qual, a igreja operava a recomposição religiosa da sociedade.
4 O império como entidade ontológica – organicista – Objectivava uma sociedade de matriz católica, nacionalista, ruralizante, autoritária e corporativa que traduzia a unicidade ideológica do regime, ditada pela padronização estatizante do Estado Novo. A religião católica, era percepcionada como elemento constitutivo do ser português abrangente aos anos de 1959-1969.
Partindo da defesa da institucionalização do destino nacional, demonstrando a essencialidade histórica portuguesa presente na criação do mito imperial, em larga medida herdado da tradição republicana e monárquica precedente onde era possível denotar um discurso imperialista, na exacta medida em que legitimava o império com a sua propensão histórica.
O Voz do Sado escolheu no passado, acontecimentos considerados exemplares pela sua representatividade. Justificando pelo divino a sua função de colonizar e evangelizar. Deduzida a partir do dogma de uma nação pluricontinental, plurirracial, una, indivisível e inalienável[14]. Posta em perigo pelas investidas do protestantismo, conotado com o comunismo soviético O Protestantismo hoje, é uma capa para acobertar a propaganda comunista, a propaganda da desagregação religiosa, misturada com a de carácter comunista, feita pelos protestantes exportada da América, produz sem dúvida na Metrópole, os mesmos efeitos que produziu nas Províncias ultramarinas. A árvore de cá é a mesma de lá, por isso os frutos não podiam ser diferentes[15].
Na origem destas medidas implementadas, encontravam - se as conferências dos países não alinhados realizadas em Bandung (1955), Ásia e Tunes, respectivamente em 1958 e 1960. Desencadeando o processo de descolonização, o nascimento do terceiro mundo. Vaga que percorreu todos os impérios coloniais mundiais, que viria a estar na origem das preocupações governamentais nos anos 50, da qual viria a resultar a guerra colonial, desencadeada em Março de 1961. As ameaças sobre as colónias portuguesas, Guiné, Angola, Moçambique, Cabo – Verde por parte dos outros países europeus, aos quais se juntavam os próprios aliados no seio da NATO relativa à aceitação dos princípios descolonizadores vigentes a partir do fim da II grande guerra. Para Portugal a nova ordem significava a perda de legitimidade com que justificava sua presença.
Afigurando-se principalmente para o regime por sugestão do EUA, a proposta de substituição da Africa pela Europa com base na inexistência de recursos financeiros que permitissem solidificar a presença portuguesa nas suas colónias. Portugal passa a ter dificuldade em continuar inserido na NATO ou no movimento de integração europeia, enquanto a guerra persistisse. Facto que não seria alheio, a polémica gerada nas Nações Unidas, sobre o império colonial português em 1956-57 contra as hostilidades entretanto desencadeadas pelos afro – asiáticos (com o apoio ministrado pela União Soviética), aquando da retirada dos europeus da Ásia, acrescida da crise do canal Suez. Esta conjuntura causara aos responsáveis portugueses, relativamente às emergentes tendências anti-colonialistas que se faziam sentir, grande preocupação alusiva às atitudes perpetradas pelos seus aliados ocidentais.
Amenizando a ameaça vinda da União Soviética, que até ai predominara[16]com a sua «voz satânica do prepotente soba da Soviética e despótico senhor de todas as Russias – esse estranho produto do ateísmo e do materialismo comunista e inventor das tréguas coexistências pacificas que infelizmente encontra eco, de maléfica repercussão, na deplorável demência dos seus inventuários arrivistas e dos seus prosélitos afro – asiáticos de incipientes formações politicas que, entontecidas, se deixaram embriagar pelas suas diatribes arrogantes, submetendo-se, cegos, nos seus caprichos de dominador tirano»[17].
A insegurança, fruto da realidade estabelecida pelas demagogias afro-asiáticas em práticas sanguinárias, mediante traiçoeiras investidas nas colónias portuguesas[18]. O Voz do Sado expôs seu apoio a Salazar, perante as criticas apresentadas pelos americanos, entenda-se protestantes, à sua ditadura, completando com a gratidão que o país devia a esse «homem extraordinário» insistindo para que se mantivesse regendo os destinos do pais[19].
Dadas estas condições, ergueu a identidade nacional, com base na religião católica como elemento agregador do ser português, definindo a própria nacionalidade. Quando se assistiu à proveniência das igrejas da África Austral Americanas ou europeias, fazendo-se sentir os movimentos societários preconizados pelas correntes protestantes (luteranas) no Ultramar português. Reivindicando os direitos que assistiam as populações autóctones, consertados pela acção formativa orientada para os sectores da juventude.
Contribuindo para a constituição das elites, que mais tarde liderariam os movimentos independentistas[20], resultante da repressão sofrida na metrópole e em Africa dinamizadas pelos intelectuais urbanizados, cujos contactos seriam sobretudo com as forças anti regime, do que com os camponeses e os operários nas colónias. Tanto os dissidentes portugueses como os nacionalistas africanos sofriam com a falta de direitos cívicos. Destaca-se nesta vertente o apoio manifestado pelos missionários protestantes, testemunhas de Jeová[21]. São-lhes atribuídas as acusações de cumplicidade, de anti nacionais, participando na divulgação da propaganda, com o objectivo de pôr termo à presença portuguesa em Angola, atentando desta forma contra a própria soberania de Portugal, dai a sua expulsão do país[22]. Dividindo quando a intenção seria unir durante a guerra colonial [23] . Politica posta em prática ao longo de todo Estado-Novo, no sentido de obstruir a sua legitimação.
5 A perversão do Comunismo – Quanto ao comunismo, era notório, a critica alusiva à sua proveniência – União Soviética – perigando a estabilidade nacional com as acções repartidas pelos vários domínios da sociedade, como eram os casos da política, economia, cultura e exército. Considerado o fautor da desagregação dos valores constitutivos da civilização europeia ocidental, predominantemente cristã, por oposição à civilização oriental, daí ser apodado pejorativamente de anti civilizacional e anti europeia.
Rompendo com a divisão de classes, a doutrina corporativista que postulava antes um interclassismo. Por conseguinte o anti – comunismo expresso desde o principio pelo regime, não ser alheio a todas estas acusações. Construindo-se mediante ele a coesão contra o exterior. Assegurava, desta forma, a harmonia dos diferentes corpos sociais, cada um com as suas respectivas funções, colmatando os hipotéticos antagonismos que daí pudessem advir[24].
Seria feita tábua rasa dos valores tradicionalmente defendidos pela sociedade portuguesa, a família, pátria, propriedade e religião. Considerado por este motivo ateu, na medida em que ao tornar efectiva a substituição de Deus, pelo homem, tornando-o supremo, criava a escravidão do homem pelo homem, onde a liberdade seria inexistente[25]
Não são estranhos, portanto, as críticas veiculadas pela imprensa católica, tendo como mote a subversão das regras morais normativas ao normal funcionamento de uma sociedade cristã. Pressupondo a subversão do operariado sequioso de justiça, através de um idealismo efervescente, que ulteriormente os levaria a odiar a classe em que estariam inseridos.
Estamos perante uma nova concepção do homem e do mundo, da qual deriva, uma nova problemática que teria de ser percepcionada de outra forma, segundo uma óptica revolucionária e materialista, visando a desconstrução do edifício ideológico, defendido pelo marxismo[26]. Contrariamente à concepção defendida pelo regime. O Voz do Sado defende que «os comunistas – os inimigos inexoráveis da igreja – consideram-se actualmente em estado de guerra aberta com tudo o mundo»; numa guerra «terrível»; «trágica»; «revolucionária» e «totalitária», imperando por todo o mundo, em zonas de actuação cristã, resultando em assassinatos, torturas, perseguições e opressões, denunciando o seu fracasso «como instrumento de domínio e perversão das paixões dos instintos humanos»[27], cuja ossatura, se baseava no ateísmo como foi dito anteriormente e ,no naturalismo pagão e imoral que assentava numa filosofia arrivista» negando Deus, o destino dos homens e a própria dignidade de Cristo e da sua igreja[28].
Desta forma o periódico em analise critica a sociedade socialista que se ia estabelecendo, que com a sua teorização marxista dissolveria o agregado familiar com o argumento que da construção de uma sociedade a partir do «homo faber» bolchevista, desvinculado do húmus familiar a escola dos sentimentos e virtudes que procede em detrimento do tradicionalismo de matriz cristã; destinado a resistir as vagas niveladoras, modernizadoras e subversões do mundo contemporâneo, implacável fabricante de massas, de homens massificados, turbas anónimas que se acumulam em cidades, nessas paisagens cinzentas e abstractas de onde os referentes naturais eram progressivamente expulsos, apagados em proveito de um Moloch fabril e estatal em suma, homens amontoados sem raízes nem nome, argumentos insertos na lição de Salazar[29]. Ao que não seria alheio, a mulher ainda não ter alcançado a sua emancipação[30].
Defende o Voz do Sado que deveria estar confinada ao espaço do seu lar, porque o lugar da mulher não seria nem na fábrica nem na repartição, mas sim a preparar as refeições de forma a manter coeso o agregado familiar, assegurando a educação das crianças. Ressaltando a função social da mulher enquanto companheira e coadjuvante do homem.[31] – O chefe da casa que devia obediência somente a Deus. Perpetua uma sociedade arcaica, imutável, que nada diferia do Portugal medievo. Perspectivação que nos fornecia a família, como trave mestra do sistema corporativo, segundo a qual repousava a constituição da sociedade Estado – Novista.
6 A missão educativa da Igreja – Tendo em conta a educação, importa atender ao conflito de competências entre o Estado e a Igreja, visto que esta negava ao Estado a intervenção no ensino religioso e moral, fundamentando que a missão educativa da igreja seria específica, direccionada para o homem. Para poder levar a cabo o seu projecto «o ensino da fé e da moral» teria que lhe ser atribuída, pelo Estado, os «meios lícitos necessários e provenientes para atingir este fim com absoluta independência», segundo a sua origem divina. Legitimando desta forma a feitura das escolas para todos os graus de cultura e disciplinas existentes, porque caso isto não se viesse a confirmar, estariam a contrariar o seu mandato religioso[32].
Deixando de assegurar na sua plenitude a formação do homem temente a Deus, respeitador da ordem estabelecida e das hierarquias sociais e politicas, decorrentes do organicismo natural e imutável das sociedades, prontas a servir a pátria e o império português.
Consagrada pela visão salazarista da sociedade compreendia uma estrutura hierárquica imóvel, induzindo que a escola não poria em prática um igualitarismo orientado pelo mérito intelectual. Apresentando-se antes como um aparelho de doutrinação inscrito numa sociedade naturalmente hierarquizada, da qual se podia inferir o reduzido contributo da escola, tendente a uma maior equidade social.
O período abrangente de 1950-1960 terá obedecido a uma tentativa de demolição do anterior ideário republicano ainda vigente, veiculando antes a limitação da promoção social através da escola. Estando patente, baixas taxas de escolarização; associadas aos elevados índices de abandono escolar; reduzida qualificação e penúria dos corpos docentes e a inadaptação dos conteúdos do ensino, evidente no afastar da estrutura educacional relativamente às reais necessidades do pais.
A escolaridade era alusiva à aprendizagem de base[33], perante a família, num contexto de vigilância da vida diária em cada um dos diferentes lares portugueses, orientada objectivamente para a criança em idade escolar. Nesta acepção impunha-se ao educador católico compartilhar com o seu pároco as responsabilidades da educação e formação cristã de todos os seus filhos[34].
Noutro vector registe-se a preocupação da igreja resultante da excessiva estatização do processo de educação, quando o Voz do Sado diz que «não só o ensino cristão superior que está em causa. Urge rever as condições de eficácia do ensino cristão elementar e secundário. Também aqui o Estado não poderá, nem deve por si só este grave problema, que é de vida e de morte. A Igreja está empenhada nele a fundo […]; mas também não pode resolver por si só, carece de auxílio do Estado. Parece chegada a altura de encarar com largas vistas, o problema do ensino particular à semelhança de outros países» já que o mundo insistia em prescindir da presença de Deus o que contundia com a presença da igreja no ensino[35].
Referenciando o imobilismo, que presidia a reestruturação fundiária e produtiva da agricultura tendente à estagnação, responsável pela generalização de subemprego, desemprego, e o aumento da emigração proveniente da entrada na Metrópole de indivíduos das ex-colónias, estimando-se o cômputo em 1951-55 em 60 000 habitantes. O que fizera com que obviamente ocorresse um aumento da população, presente nos 8 889 000 indivíduos, de ambos sexos, residentes em Portugal em 31 de Dezembro de 1960. O que significa que entre 1930-60 o numero de famílias passara de 1 568 000 para 2 223 000, mais 655 000 famílias respectivamente[36].
6.1 A família como elemento agregador – Procurou traçar o seu enquadramento, através da construção de um «Estado Social», que contasse com um melhor futuro económico-social para todos os portugueses. Impondo um duplo dever a toda a sociedade – ser solidário e justo – traduzido na optimização dos salários e igualdade na prestação de serviços.
O que imputa ao Estado o dever de intervir mediante a ética governativa porque não hà duvida que um Estado é tanto mais poderoso quanto mais assenta e movimenta a sua acção sobre uma sociedade que procura que seja sã e vigorosa […] esta só será quando a base familiar se desenvolver de maneira florescente – moral e economicamente na garantia de um valor humano e da sua realidade demográfica, expressa na riqueza espiritual e em nível de vida[37]. Que requere um rendimento mínimo «salário familiar», na medida em que não era compreensível que as famílias com maior numero de membros apresentasse menor condições de subsistência, o que indiciava claramente um deficit no desenvolvimento do país.
Ressarcindo a enorme percentagem de assalariados, que no Alentejo rondava os 89%, designadamente os assalariados rurais, que atingia em números redondos 850 mil, que caso não lhes fosse atribuída protecção legal, vislumbrariam um futuro objectivamente triste, sujeitos às caprichosas flutuações da oferta e da procura do seu trabalho [38] .
Conclusão
O período estudado (1959-1969), permite concluir que o Voz do Sado manifesta um forte apoio ao Estado – Novo, explicitado na união da igreja católica com o regime.
Quanto à sua participação encontra-se a predominância de católicos conservadores, a que não fora alheio a recristianização implementada na sociedade mantendo desta forma a coesão. Reafirmando o poder que tinha sido retirado pela primeira republica laica, resultante, da perda de influencia transversal a toda a sociedade.
Assistiu ao desenvolvimento da secularização minimizando a influência normativa da religião, dando lugar ao surgimento de múltiplos horizontes religiosos distintos, levando à descrença e à ireligião – afigurando-se a pluralidade de referências de sentido e de verdade.
Ao que se juntava a emergente industrialização, em detrimento da ruralidade arcaica que insistia em predominar. Que viria a estar na origem das medidas implementadas pela imprensa católica, que o Voz do Sado ecoava, objectivando o combate à influência do Comunismo, dominado pelo ateísmo e materialismo. Expresso na defesa do idealismo cristão, defendendo, desta forma, o legado civilizacional cristão. Combatendo a dissolvência do agregado familiar patente na sociedade socialista corrompida a doutrina corporativista, pela divisão de classes.
A União Soviética representava o inimigo a combater. Juntamente com os EUA, em função da conivência demonstrada para com os movimentos independentistas, repartidos em Angola, Moçambique, Cabo Verde. Onde desenvolvia a guerrilha contra o império português, uno e indivisível.
Por fim, veiculou a intenção de reduzir a estatização do processo educacional, legitimando a sua presença pela representação que exerciam na terra do divino, motivo pelo qual reivindicavam um ensino cristão elementar e secundário particular.
Fontes
Jornal Voz do Sado: de 1959-1969.
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Bibliografia
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[1] Vide, Fernando Rosas «As grandes linhas da evolução institucional» in Nova história de Portugal, dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques vol. XII, p. 140.
[2] Vide, Manuel Braga da Cruz, «Notas para a uma caracterização politica do Salazarismo» in Análise Social, vol. XVIII (72-74), 1982,p. 773.
[3] Idem, ibidem, p.778.
[4] Idem, ibidem, p.781.
[5] Idem, ibidem, p.794.
[6] Vide, Fernando Rosas «As grandes linhas da evolução institucional» in Nova história de Portugal, dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques vol. XII, p.141.
[7] Vide, César Oliveira, «A aparente quietude dos anos 50» in Portugal Contemporâneo. dir. António Reis, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1996,p.463.
[8] Vide, J.J. «Atenção ao trabalhador rural» in Voz do Sado, Março de1965, nº64,p.5.
[9] Vide, António Matos Ferreira, «Secularização», in Dicionário de História Religiosa de Portugal, p196.
[10] Idem, Ibidem, p197.
[11] Idem, ibidem, p.197.
[12] Idem, ibidem, p.196.
[13] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «In Concilium» in Voz do Sado, Abril de 1965, nº65, p.6.
[14] Vide Fernando Rosas, «O Salazarismo e o Homem Novo: ensaio sobre o estado Novo e a questão do Totalitarismo», in Análise Social, vol. XXXV (157), 2001, p.1035.
[15] Vide, José D’Albuquerque, «O Protestantismo» in Voz do Sado, Novembro de 1961, nº24, p.1
[16] Vide, B.F.P.., «União Soviética, relações com» in Dicionário de História de Portugal, por volume, pp556-557.
[17] Vide, Voz do Sado, Janeiro e 1961, nº14, p.5.
[18] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «Fiel Comportamento» in Voz do Sado, Fevereiro de 1963, nº39, p.2
[19] Vide, P. Alfredo Mendes, «Em Angola. Entram disfarçados de Missionários com a Bíblia debaixo do Braço», in Voz do Sado, Fevereiro de 1963, nº39.p.4.
[20] Vide, António Matos Ferreira, «Protestantismo» in Dicionário de Historia de Portugal, dir. Joel Serrão, vol.9,pp.191-197.
[21] Corrente milenarista de raiz unitarista. Apregoava uma leitura bíblica da natureza de Cristo, que lhe negava a sua participação na divindade [….] Dai lhes ser atribuída a designação de protestantes. Luís Aguiar Santos, «O protestantismo» in Dicionário da História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira de Azevedo, p. 77.
[22] Vide, «Expulsos e bem expulsos», in Voz do Sado, Janeiro de 1962, nº26, p.6.
[23] Vide, Neves da Cruz, «Fora com a Praga», in Voz do Sado, Setembro de 1961,nº22. p. 3.
[24] Vide, Daniel Telmo Faria, «O comunismo: um anátema Estado – Novista», in Revista da História das Ideias, vol.17, p.234.
[25] Vide, A.P.G, «Situação actual do cristianismo na Rússia», Agosto de 1966, nº81, pp.1-5.
[26] Vide, Daniel Telmo Faria, «O comunismo: um anátema Estado – Novista», in Revista da História das Ideias, p.242.
[27] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «Ouvindo e Meditando», in Voz do Sado, Novembro de 1961, nº22, p.1.
[28] Vide, «Fundamentos eternos», in Voz do Sado, Dezembro de 1961,nº23,p.6.
[29] Vide, João Medina «Deus, Pátria, Família: ideologia e mentalidade do Salazarismo», in História de Portugal, dir. João Medina, p.190,
[30] Vide, Maria Belo, Ana Paula Alão e Iolanda Neves Cabral, «O Estado Novo e as mulheres», in Colóquio sobre o Estado – Novo – Das origens ao fim da autarcia (1926-1959), p.267.
[31] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «A família. O seu destino no conceito socialista e cristão», in Voz do Sado, Julho de 1962, nº32, pp1-3.
[32] Vide, Sergius, «A Igreja e a Educação» in Voz do Sado, Agosto de 1960, nº9, p.4.
[33] Vide, António Nóvoa, «A Educação Nacional» in Nova História de Portugal, dir. e Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques e vol. XII, p.475.
[34] Vide, «Estimada catequista! Para, Lê e Medita!...» in Voz do Sado, Maio de 1961, nº18,p6.
[35] Vide, Episcopado Português, «Nota pastoral» in Voz do Sado, Março de 1962, nº28, p4.
[36] Vide, Custódio Cónim, «A demografia ao saber das influências externas» in Portugal Contemporâneo. Dir. António Reis, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1996, p.565.
[37] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «A Redistribuição do trabalho e do Salário familiar», in Voz do Sado, Junho de 1962, nº31, p.1.
[38] Vide, «trabalhadores rurais esperam a hora em que se lhes faça justiça», in Voz do Sado, Fevereiro de 1962, nº27, p.1.
[1] Vide, Fernando Rosas «As grandes linhas da evolução institucional» in Nova história de Portugal, dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques vol. XII, p. 140.
[2] Vide, Manuel Braga da Cruz, «Notas para a uma caracterização politica do Salazarismo» in Análise Social, vol. XVIII (72-74), 1982,p. 773.
[3] Idem, ibidem, p.778.
[4] Idem, ibidem, p.781.
[5] Idem, ibidem, p.794.
[6] Vide, Fernando Rosas «As grandes linhas da evolução institucional» in Nova história de Portugal, dir. Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques vol. XII, p.141.
[7] Vide, César Oliveira, «A aparente quietude dos anos 50» in Portugal Contemporâneo. dir. António Reis, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1996,p.463.
[8] Vide, J.J. «Atenção ao trabalhador rural» in Voz do Sado, Março de1965, nº64,p.5.
[9] Vide, António Matos Ferreira, «Secularização», in Dicionário de História Religiosa de Portugal, p196.
[10] Idem, Ibidem, p197.
[11] Idem, ibidem, p.197.
[12] Idem, ibidem, p.196.
[13] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «In Concilium» in Voz do Sado, Abril de 1965, nº65, p.6.
[14] Vide Fernando Rosas, «O Salazarismo e o Homem Novo: ensaio sobre o estado Novo e a questão do Totalitarismo», in Análise Social, vol. XXXV (157), 2001, p.1035.
[15] Vide, José D’Albuquerque, «O Protestantismo» in Voz do Sado, Novembro de 1961, nº24, p.1
[16] Vide, B.F.P.., «União Soviética, relações com» in Dicionário de História de Portugal, por volume, pp556-557.
[17] Vide, Voz do Sado, Janeiro e 1961, nº14, p.5.
[18] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «Fiel Comportamento» in Voz do Sado, Fevereiro de 1963, nº39, p.2
[19] Vide, P. Alfredo Mendes, «Em Angola. Entram disfarçados de Missionários com a Bíblia debaixo do Braço», in Voz do Sado, Fevereiro de 1963, nº39.p.4.
[20] Vide, António Matos Ferreira, «Protestantismo» in Dicionário de Historia de Portugal, dir. Joel Serrão, vol.9,pp.191-197.
[21] Corrente milenarista de raiz unitarista. Apregoava uma leitura bíblica da natureza de Cristo, que lhe negava a sua participação na divindade [….] Dai lhes ser atribuída a designação de protestantes. Luís Aguiar Santos, «O protestantismo» in Dicionário da História Religiosa de Portugal, dir. Carlos Moreira de Azevedo, p. 77.
[22] Vide, «Expulsos e bem expulsos», in Voz do Sado, Janeiro de 1962, nº26, p.6.
[23] Vide, Neves da Cruz, «Fora com a Praga», in Voz do Sado, Setembro de 1961,nº22. p. 3.
[24] Vide, Daniel Telmo Faria, «O comunismo: um anátema Estado – Novista», in Revista da História das Ideias, vol.17, p.234.
[25] Vide, A.P.G, «Situação actual do cristianismo na Rússia», Agosto de 1966, nº81, pp.1-5.
[26] Vide, Daniel Telmo Faria, «O comunismo: um anátema Estado – Novista», in Revista da História das Ideias, p.242.
[27] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «Ouvindo e Meditando», in Voz do Sado, Novembro de 1961, nº22, p.1.
[28] Vide, «Fundamentos eternos», in Voz do Sado, Dezembro de 1961,nº23,p.6.
[29] Vide, João Medina «Deus, Pátria, Família: ideologia e mentalidade do Salazarismo», in História de Portugal, dir. João Medina, p.190,
[30] Vide, Maria Belo, Ana Paula Alão e Iolanda Neves Cabral, «O Estado Novo e as mulheres», in Colóquio sobre o Estado – Novo – Das origens ao fim da autarcia (1926-1959), p.267.
[31] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «A família. O seu destino no conceito socialista e cristão», in Voz do Sado, Julho de 1962, nº32, pp1-3.
[32] Vide, Sergius, «A Igreja e a Educação» in Voz do Sado, Agosto de 1960, nº9, p.4.
[33] Vide, António Nóvoa, «A Educação Nacional» in Nova História de Portugal, dir. e Joel Serrão e A.H. de Oliveira Marques e vol. XII, p.475.
[34] Vide, «Estimada catequista! Para, Lê e Medita!...» in Voz do Sado, Maio de 1961, nº18,p6.
[35] Vide, Episcopado Português, «Nota pastoral» in Voz do Sado, Março de 1962, nº28, p4.
[36] Vide, Custódio Cónim, «A demografia ao saber das influências externas» in Portugal Contemporâneo. Dir. António Reis, vol. II, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1996, p.565.
[37] Vide, Manuel Lopes Rodrigues, «A Redistribuição do trabalho e do Salário familiar», in Voz do Sado, Junho de 1962, nº31, p.1.
[38] Vide, «trabalhadores rurais esperam a hora em que se lhes faça justiça», in Voz do Sado, Fevereiro de 1962, nº27, p.1.
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