sexta-feira, agosto 18, 2006

Sociedade: Génese, Sociabilidades e Perspectivas de Poder no Portugal Moderno.


Miguel Coquilho (Historiador)

Introdução

O tema problema que vou explicitar ao longo desta dissertação, tem como objectivo contextuar o papel do indivíduo numa sociedade moderna plural, a onde estavam patentes múltiplos interesses. Constituindo um guia de estudo para ulteriormente utilizar.
Irei traçar um itinerário temporal pelas principais instituições societárias, perspectivando o papel dos diferentes corpos sociais, instituições e minorias a fim de efectuar uma sistematização da mentalidade moderna. Aferindo quais as medidas evolutivas preconizadas que marcavam a destrinça face à sociedade medieval. Tendo em conta a lei, economia, religiosidade, assistência, administração e equilíbrios de poder.

1 Génese e perspectivas de poder na sociedade moderna.

A etimologia dá-nos uma noção precisa quando nos refere que por sociedade devemos entender uma união de pessoas ligadas por ideias ou por algum interesse em comum, tendo a lei como princípio orientador das inteligências e a autoridade impulsionadora da harmonia social, visando formar uma sociedade. Partindo deste iniciado, a explicação para a realidade societária moderna, encontramo-la na forma específica como se processava a representação e a complexidade da sua organização social
[1] .
Se a idade média se hierarquizara socialmente segundo uma concepção teocêntrica, a idade moderna traduziu-se numa concepção distinta, cuja expressão fora o atomizar do indivíduo, separando por conseguinte o seu caminho face aos seus congéneres e a Deus, ocorrendo uma transição do feudalismo para um processo de absolutização do poder. Processo que visava organizar o Estado consoante as suas possibilidades técnicas, sociais e geográficas.
Diferentes tipos de monarquias absolutas, com diferentes tipos de apoio, visando a consecução do poder relativamente à sua especificidade de apoio existiam: monarquia absoluta assente na burguesia; monarquia absoluta assente na fidalguia e por fim monarquia absoluta assente no funcionalismo, isto é como Jorge Borges de Macedo nos diz, «A única forma de centralizar o poder consistia na formação de uma monarquia absoluta, isto é, na criação de um poder monárquico hereditário, dotado de precedência total em todas as decisões»
[2] .
No decorrer do processo de centralização, os apoios ministrados nem sempre permaneceram iguais, com âmbitos por sua vez distintos. Por isso considerando os órgãos do absolutismo, pode-se distinguir quatro fases na monarquia absoluta. Primeira fase o governo central constituía-se por conselhos, tribunais e corpos de carácter judicial, sendo-o o rei coadjuvado frequentemente pelos seus validos. O rei reunia então em seu redor conselhos formados não por barões de direito, mas sim pelo apoio dos seus validos. No que concerne a este conselho era notório o seu desdobrar em secções especializadas, como eram exemplo os casos da justiça e as finanças. Seguindo-se ulteriormente os tribunais de carácter local e os concelhos regionais
[3] .
Na segunda fase o poder central seria exercido pelo rei, mas agora preconizado também com a ajuda dos secretários de Estado e colégios administrativos em que se evidenciava um maior afastamento do rei face aos conselhos judiciais e administrativos, no que se refere à realização do trabalho de rotina, que progressivamente iam tomando o poder de decisão própria nos casos menores. Surgindo o desenvolvimento dos colégios financeiros, administrativos e repartições do tesouro, em que gradualmente se dá um aumento da influência dos corpos judiciais, actuando o rei em três planos -politico, militar e diplomático
[4].
Terceira fase, instaura-se uma monocracia que convergia num governo pessoal do rei conjuntamente com os ministros que dele dependiam, sustentado numa máquina estadual por sua vez mais complexa, privilegiando a burocratização do poder, em que o rei surgia como seu principal suporte, dominando-a.
A Quarta e última fase promovia uma maior complexidade dos serviços em detrimento do rei, dando lugar à formação de comissões de ministros, alterando-se o papel do rei, levando este a efeito a sua autoridade técnica, através da elaboração de planos de temática económica, cultural e religiosa, tendente a efectiva-los através do uso da máquina administrativa anteriormente construída.
[5]
A base constitutiva do Estado moderno enquanto Estado absoluto encontra-se assente em três momentos fundantes, a saber a passagem de um paradigma organicista para um paradigma individualista, seguindo-se um modelo de organização (regime sinodal) e um estilo de decisão resultante da burocratização do governo

1.1 Paradigma organicista ou jurisdicionalista – Após este breve excurso importa voltar ao que supra referi, ou seja a uma representação de sociedade medieva tripartida socialmente segundo o modelo estamental (clero, nobreza e povo), que transversalmente estruturava o universo mental, sendo uma normativa em que predominava um domínio do rural, no qual a terra consistia o fundamento material de onde provinha o poder e a respectiva diferenciação social, assente numa apologética do direito, resultando a superioridade dos grupos dominantes de privilégio, que legitimava a estratificação dos indivíduos perante a lei [6].
Neste contexto urge demonstrar tal superioridade que se aglutinava num paradigma corporativo da sociedade que nos explicitava as necessidades cognitivas do universo social medievo e suas respectivas instâncias, nas quais confluíam vários factores ideológicos. Prevalecendo a ideia de uma organização supra-individual, dominado pela ideia da sociedade como um corpo. De pendor anti-individualista, em que se tornava evidente a irredutibilidade dos corpos, na medida em que no imaginário medievo não foi despiciendo o pensamento social da escolástica. Não admira que perfilha-se a ideia da existência de uma ordem universal abrangente aos homens e ás coisas, direccionado para um determinado objectivo, que pugnava por uma identificação com o próprio criador, não obstante as funções para a concretização desse objectivo não exigisse que as funções de cada uma das diferentes partes que formavam o todo, fossem idênticas. O pensamento escolástico diz-nos isso quando mencionava cada parte com um determinado objectivo concitando os vários interesses na realização deste destino cósmico, existindo por isso várias ordens de criação. Numa perspectiva vertical, dentro de cada de uma destas ordens existia uma espécie, por sua vez dentro de cada espécie humana vigoraria um grupo ou corpo social, que teria como destino um objectivo próprio e irredutível a realizar – cuja funcionalidade dependia do desempenho autónomo –.
Com base nesta concepção antropomórfica o equilíbrio resultava da não intrermutabilidade das partes e do respeito por cada uma das variadas funções e estatutos específicos, numa hierarquização quer das funções (espiritual, militar, judicial, e produtiva), como também cargos e pessoas (clero, nobres, juízes e artesãos, numa ideia da autonomia funcional dos corpos., tendo adjacente uma auto- regulamentação (iurisdictio), da qual se inferia o poder dos legistas e estatutos respectivos, como também o poder de julgar os conflitos internos e emitir comandos. Relativamente as ordens incorre ainda dizer, que não existia qualquer tipo de similitudes alusivas ás castas, a mobilidade social ocorria ,era consentida, «medrar» era vocábulo utilizado, significando o individualismo e a liberdade que o individuo sentia.
Através desta iurisdictio era perceptível a teoria politica moderna, na qual os indivíduos eram reconhecidos como portadores de direitos e deveres próprios alusivos a cada determinado corpo em que se integravam. Desta teoria derivava uma valorização dos fenómenos grupais e colectivos; o aparecimento do poder repartido pela multiplicidade dos corpos sociais existentes, estando cada um destes dotados politica e jurídica reflectida na sua função social. Emergindo aqui o rei enquanto juiz, garantindo a autonomia e especificidade do estatuto social de cada um dos diferentes corpos, efectuando a sua principal função, zelar pela manutenção da justiça. O indivíduo teria pouco lugar para se afirmar, porquanto os seus interesses, direitos e deveres eram sinónimos do seu estatuto (foro). Derivando deste facto uma indistinção entre sociedade civil e Estado, diferindo do paradigma individualista.

1.2 Paradigma individualista – Sobressai uma genealogia diferente, porquanto a sua génese primacialmente assentava na escolástica Franciscana quatrocentista de Guilherme d occam, conjuntamente com a querela filosófica, a «a questão dos universais», que tinha como iniciado, partir do indivíduo enaltecendo-o, em detrimento do grupo, percepcionando assim a sociedade. Advogando as qualidades que predicavam no individuo, tornando-o incaracterístico, intermutável, reflectindo a sua singularidade liberta das determinações sociais.
Com este atomizar do individuo, surgia uma nova teoria social e politica, à qual estava subjacente um novo modelo intelectual que acabaria por determinar toda a reflexão inerente – cuja expressão fora o individuo abstracto e igual, laicizando a teria social. No concreto o indivíduo libertar-se-ia das condicionantes do transcendente, provocando um novo entendimento entre o indivíduo e o criador (Deus). Esta laicização da teoria social determinada pelo pensamento jurídico e político, libertaria o indivíduo do todo. Destacando-se duas perspectivas referentes à vontade soberana de Deus, manifestado na terra pelo seu lugar-tenente (o príncipe), – o providencialismo. Ou a vontade divina que tende a admitir devido à insegurança de um sociedade de âmbito natural, da qual poderia resultar desacordos, ambicionando a maximização da felicidade dos indivíduos, através de um contratualismo .
Do providencialismo provinha a legitimação das dinastias reinantes, porque exprimiam a livre vontade de Deus, exercitada na terra, revestindo-se duma dignidade que consequentemente se reflectia num poder temporal ilimitado, levando-o à tutela das igrejas nacionais, sendo o galicanismo o exemplo dessa mesma tutela.
Por sua vez o contratualismo é decorrente de um pacto social, em que os indivíduos claramente aceitam que seja transmissível na pessoa dos governantes todos os seus poderes enquanto cidadãos, isentando a soberania de qualquer sujeição, tendo o dever de efectivar a destrinça do seu governo face a qualquer abuso de poder, preconizado por um governo despótico,

1.3 Governo Polissinodal – Em finais do século XV insurgia um modelo de exercício de poder, em que era notório já alguns desempenhos burocráticos específicos e um ecletismo funcional, que se remetiam para a fixação de certos desembargadores no desempenho de certas petições, na diversificação das tipologias documentais e por fim na transmissão burocrática e no estilo em assentavam as suas decisões.
Ulteriormente no século XVI, inicia-se um novo período que se exprime ao associar de uma diferenciação orgânica a esta especialização burocrática, postulando uma autonomia de algumas das funções do Desembargo Régio, traduzido na institucionalização dos órgãos próprios, com eram os casos dos tribunais e dos concelhos. Por seu turno a administração central pós Manuelina e a coordenação da actividade governativa mudaria, simbolizada pela forma que o rei se insurgia. Na medida em que a materialização desta nova administração implicava a colaboração do escrivão da puridade e dos secretário de Estado, ambos tinham como funções ajudar no despacho substituindo-a na respectiva comunicação politica com os tribunais e conselhos. Estávamos perante a formação de um novo complexo órganico -funcional intitulado regime Polissinodal, uma vez que estas instituições funcionavam colegialmente, prestando conselho, em caso de consulta no exercício de funções normativas do governo ou do tribunal – afigurava-se como unidade de poder auto-regulamentando-o
[7] .
Sobre eles recaia a administração da justiça por via litigiosa, o tomar de decisão de governo de acordo com a sua manifesta superioridade face à restante administração periférica. Ao que acresce também a promulgação de normas legais de vigência na área das suas competências.
Estes organismos tenderam a reproduzir-se e a dar origem a novas instituições ou a reformar as já existentes. O que constatava que em finais do século XV, existisse apenas um tribunal sob a responsabilidade do monarca, cerca de um século depois (princípios do século XVII), a situação alterara-se com uma maior complexificação do aparelho político administrativo centralizado em torno do monarca, cuja totalidade perfazia quatro conselhos (Estado, Fazenda, Índia e Mesa de Consciência e Ordens), três tribunais superiores (Casa da Suplicação, Relação do Porto e Desembargo do Paço) uma Junta dos Contos e por último três organismos sedeados fora do reino, seus nomes Conselho de Portugal, Relação da Índia e Relação do Brasil
[8] .
A burocratização do poder era constatável em três momentos distintos. No primeiro momento o processo burocrático encontrava-se assegurado com um núcleo de funcionários que no decorrer do tempo fora especializando-o as suas competências e funções, em finais do século XV; num segundo momento torna-se relevante a autonomização de certas áreas de governo com a criação de conselhos e tribunais (século XVI) e por fim a reforma das instituições existentes concomitantemente com a criação de outras de competência territorial em finais do século XVI, princípios do século XVII. Porem, manifestava-se devido ás suas características jurisdicionais de exercício de poder, a tendência para a afirmação dos conselhos e tribunais que se opunham à centralização politica.

2 As formas religiosas de sociabilidade.

A resposta à forma como a religiosidade intervinha na sociedade, suscita vários considerandos que importa contextuar, visando constatar como a igreja participava na sociedade portuguesa moderna. Ao que ocorre falar um pouco dos seus intervenientes, no que diz respeito à sua presença na realidade societária.
Exemplo disso era o papel preconizado pelo Clero, que devido à sua predominância relativamente a Deus, baseado no modelo da cidade celeste, formava o primeiro estado. Gozava de um foro próprio e de vários privilégios, nos quais vigorava a isenção fiscal, militar traduzida num acentuado poderio relacionado com um corpo poderoso e influente, embora não homogéneo. Tendo em consideração que no seu seio, existiam dois grandes grupos, os seculares e os regulares, obedecendo cada um deles a diferentes hierarquias. A sociedade eclesial como denota António Manuel Hespanha, consistia o universo estruturado do homem moderno, porquanto a sua influência normativa e disciplinar se exercia continuadamente, atravessando toda a sociedade em vários planos sobrepostos, aos quais o indivíduo não podia escapar
[9] .
Como o plano da acção individual, levada a cabo pelos párocos conjuntamente com os pregadores e confessores, pela via da cura das almas, na comunidade através da organização paroquial e por fim no plano corporativo por meio das confrarias – a igreja funcionava como um estado dentro do próprio estado, na medida em que a igreja se prefigurava bastante ordenada e hierarquizada dai ser possível a destrinça entre clérigos e leigos, dicotomia que contemplava grande importância perante o poder altamente centralizado e interventor que consistia um dos critérios fundantes na totalidade social.

2.1 Preparações do Clero – Os futuros sacerdotes frequentavam normalmente os mosteiros onde aprendiam a prática religiosa, complementada com algumas noções de cultura em escolas conventuais, catedrais e universidades a onde decorriam os seminários.A entrada para o estado clerical até se formarem como sacerdotes, atravessaria várias fases. Prima tonsura dada pelo bispo que permitia ao jovem clérigo o acesso ás ordens menores, ostiário, leitor, exorcista e acólito. Após estes sucessivos graus o clérigo ascendia ás ordens maiores, subdiácono, diácono e presbítero finalizando a sua formatura [10] .

2.2 Hierarquia dos ofícios eclesiásticos – A hierarquia do Clero regular comportava em primeiro lugar os Arcebispos e os Bispos. O Bispo, oficial eclesiástico central, desempenhava o seu trabalho na diocese (célula básica da administração da igreja) na qual gozava de jurisdição ordinária, tendo como competências a administração privativa de certos sacramentos a título de exemplo o crisma, ordenação e a consagração. E a jurisdição espiritual voluntária e contenciosa sobre os fieis. De relevar serem os magistrados eclesiásticos e ordinários de primeira instância (câmara ou cúria), tribunal do bispo.
Ao Arcebispos e Bispos eram geralmente oriundos da grande nobreza, filhos de titulares ou eventualmente de reis, quer fossem legítimos ou bastardos. Podemos ainda ao nível dos Abades, Priores e Cabidos das Sés, encontrar também a presença de nobres. As dignidades de arcediagado, arcipreste e vigários de vara exigiam um maior grau clerical no que concerne ao nível de habilitações universitárias, o que por conseguinte se reflectia nos salários superiores que recebiam, o que obstava a que a maior parte das famílias pertencentes ao terceiro estado não lhe pudessem aceder, provocando um nivelamento, devido a estes prelados estarem dependentes de um conjunto de factores, entre os quais, a família de origem, percurso anterior e a diocese para quê tinham sido nomeados (maior ou menor grau de riqueza; mais ou menos periférica).
[11]

2.3 Cónegos ou canonicatos – Outro oficio eclesiástico diocesano, cuja escolha recaía nos bispos, devido a conjuntamente com estes numa mútua colaboração, ocuparem funções litúrgicas e administrativas na Sé. Viviam em regime de comunidade sujeitos a uma regra, dai receberem o nome de cónegos, formando o Cabido ou Capitulo administrando a diocese caso esta estivesse privada de bispo (sede vacante ), exercendo o poder episcopal.
Compunham-no cónegos, dignidades, concretamente deões, chantres, arcediagos, mestre – escola e tesoureiros, beneficiados e ainda os ministros inferiores constituídos pelos bacharéis, meio bacharéis, capelães, tercenários, músicos de capela e serventes A sua posição garantia-lhes um elevado status e poder económico e se considerar-mos as relações familiares, poderemos constatar sem qualquer tipo de dificuldades que constituam um grupo forte, capaz de fazer vingar os seus privilégios, levando-os a ouporem-se aos bispos caso fosse evidente que tinham sido preteridos por estes
[12] .


2.4 Clero paroquial – Distribuíam-se pelas respectivas paróquias para efeitos de administração, estas por sua vez agrupavam-se em unidades maiores (arceprestados) usualmente designados terras, concelhos e coutos, correspondendo muitas das vezes ás unidades senhoriais, judiciais e municipais. Podendo também ser chamados de arcediagados quando o seu visitador tivesse a dignidade de arcediago, variando o numero de arcediagos conforme a diocese.
A eleição nas paróquias era resultante de uma escolha por parte dos homens – bons. Caso as igrejas pertencessem a outros padroeiros, rei, bispo, cabido de uma Sé, senhor ou um grupo de parentes, a escolha resumia-se a uma nomeação. Ambas as situações teriam que ser confirmadas, na intitulada «apresentação ao padroeiro».
O clero paroquial proveniente das famílias nobres ou pertencentes ás oligarquias municipais, era composto em grande parte por indivíduos mal preparados para as funções que eventualmente viessem a desempenhar, sobretudo no mundo rural, acusando as diferenças de origem, percursos e oportunidades, na medida em que os filhos dos nobres e letrados tendiam a monopolizar os principais lugares existentes nas cidades e vilas mais importantes, restando as paróquias para os grupos sociais mais baixos. A permuta do lugar seria possível, por troca com outros titulares, caso estes estivessem interessados pelo concurso dos benefícios vagos
[13] .
O clero diocesano e por conseguinte todo o corpo secular era composto pelos sacerdotes que tinham à sua disposição pequenos centros urbanos e paroquias auferindo as remunerações mais baixas, traduzidas num modo de vida que efectivamente pouco as diferenciava da proveniente dos menores estratos populares. Ao que acrescia o pagamento de tributos que eram alvos, que se repercutia na procura por melhores condições salariais a nível material por parte dos párocos mais pobres, que praticavam a venda de géneros em suas casas, outros canalizavam seus esforços para a procura e compra de alimentos a um melhor preço, regateando em praça pública num aceso diálogo com os vendedores, suscitando a intervenção dos bispos, com a aplicação de objectivas condenações, aos eclesiásticos menos apetrechados culturalmente que pior cumpririam seus sacerdócios, cujas disparidades equivaliam a diferenças de prestígio, riqueza e oportunidades.

2.5 Colegiadas – Por colegiadas podemos entender igrejas, onde era prestado culto solene a Deus, similar ao que era prestado nas catedrais. Par esse efeito dispunham de um colégio de clérigos, também conhecidos por cónegos, raçoeiros ou beneficiado. Cónegos que conjuntamente com os priores participavam nas horas canónicas (matinas, laudes, prima, tercia, sexta, noa, vésperas e completas) que intervaladamente ocorriam ao longo do dia e de uma parte da noite, a ausência a estes ofícios se não fossem justificados por motivos válidos (velhice, doença, serviço da igreja, feras anuais) eram penalizadas com o pagamento de multas, existindo para esse efeito oficiais, os apontadores, a quem caberia registar tais ocorrências. Acresce que maior parte das colegiadas eram igualmente igrejas paroquiais, também com a função de celebrar a eucaristia, ocupando-se da cura das almas.
A hierarquia era em primeiro lugar assegurada pelos Priores, chefe da comunidade e único dignitário em colegiadas menores, a quem competia celebrar as missas das principais festas litúrgicas, gerir os bens da mesa prioral e representar a comunidade nas suas relações com o exterior. As dignidades e cónegos seriam escolhidos no seio dos familiares e dependentes dos priores
[14] .

2.6 Confrarias – Organismos laicos também conhecidas por confraternidades ou irmandades tinham como objectivo primordial a pratica da solidariedade interna durante o período de vida ou a após morte. Constituíam-se, pela associação de fiéis organicamente com o propósito de exercer obras de caridade e piedade, promovendo o culto público, características que as diferenciava das pias uniões. As finalidades que advogavam resumiam-se à assistência material, sobretudo dos seus membros constitutivos, fomento do culto dos seus patronos em festas que promoviam a sociabilidade religiosa. Visavam atenuar a fome, a doença e a pobreza.
Consoante os critérios que possamos atribuir, podemos classificar as confrarias segundo uma tipologia: confrarias penitenciais, caritativas, devocionais e as de ofícios
[15] Exemplo de confraria que se dedicava a caridade era a Santa casa da Misericórdia, criada no reinado de D. João II por sua mulher D. Leonor, assente num compromisso inicial, que tinha como finalidade a prática das catorze obras de misericórdia, espirituais e corporais, eu todos os irmãos teriam que cumprir. O cômputo de irmãos perfazia um total de cem, metade trabalhadores manuais (oficiais mecânicos) metade pessoas de melhor categoria (letrados, nobres ou eclesiásticos) constantemente renovados conforme iam morrendo. Anualmente seriam eleitos os provedores «homem honrado de boa categoria» de autoridade, virtuoso, de boa fama, humilde e paciente, desempenhando sua tarefa com ao aconselhamento dos mesários (o conselho dos doze) [16] .

2.6.1 A Santa Casa teria como funções – Em caso de conflituosidade sendo ministradas expulsões, apaziguar e reconciliar as partes desavindas durante o período da Quaresma. Transmitir as heranças entre pessoas que se encontravam a milhares de quilómetros, visto que as heranças se encontravam dentro dos seus cofres, sendo seu interesse acelerar o processo, exceptuando quando eram herdeiras. Resgatar os indivíduos em Marrocos. Prestar ajuda aos presos nas cadeias. Cuidar dos enfermos que não podiam gozar da ajuda dos seus familiares em regime de internato no hospital; dos espostos, resultado da negociação com as câmaras municipais, a quem lei lhes atribuía a sua criação, obrigação que seria difícil de cumprir, porque representaria enumeres encargos difíceis de suportar. Perpetuar a memória dos doadores, na medida em que os dotes atribuídos: a familiares e a parentes ostentavam os seus nomes; ajudar as mulheres pobres dando-lhes «Estado» atendendo ao grau de pauperidade existente, nomeadamente as raparigas órfãs, permitindo-lhes um bom casamento, isto é segundo as normas religiosas vigentes, criando uma sociedade ordenada [17] .

2.6.2 A Misericórdia. Interacção ou Conflituosidade? - As misericórdias apesar de terem uma finalidade cultual e de reforço da sociabilidade, sustentavam muitas das vezes, uma dinâmica de conflito no sistema de valores implementados, ocasionando lutas internas que espalhavam dissenções generalizadas a toda a comunidade em que se encontravam inseridas. Nomeadamente as lutas sustentadas com o Bispo, Cabido, Colegiadas, Párocos, Ordens religiosas, Misericórdias vizinhas e também as próprias câmaras dos concelhos a que pertenciam.
Alheia a esta conflituosidade não era certamente a sua proximidade com o poder e a gestão de avultados capitais, constituindo um dos mais importantes centros políticos existentes na altura. Prova disso seria o reduzido número dos seus membros, tendo por fim a manutenção e a descrição na realidade societária concelhia, resultado da influência dos diferentes pólos de poder politico, coroa e oligarquias locais formadas por grandes famílias de proprietários rurais à escala local residentes fora do núcleo urbano, procurando influenciar a gestão da misericórdia através da nomeação de um número restrito de membros. Sendo estes mesmos indivíduos que estariam presentes tanto em cargos de direcção das câmaras como de misericórdias, ocupando as funções de vereadores e mesários, existindo uma continuidade entre as duas administrações destas duas instituições, visto que a base de recrutamento seria a mesma.
As consequências desta conflituosidade verificavam-se sobretudo no seu interior, mediante a eliminação dos membros conflituosos que provocavam distúrbios no normal funcionamento do processo de trabalho, com a aplicação de uma série de medidas entre as quais vigorava em ultimo grau o despedimento dos confrades, assentes no compromisso inicial da irmandade, como eram exemplo a desobediência ao provedor e à mesa, prestação de falsas informações no momento da admissão, escândalo público e o não cumprimento das obrigações a que estariam sujeitos. Na relação com as outras instituições, com base no desrespeito dos privilégios que lhe eram concedidos por parte da coroa, com os quais a comunidade nem sempre estaria de acordo. Por outro lado as desavenças com o bispo teriam como pretexto a exteriorização dos ritos, numa simbólica de poder e as visitas ás igrejas da misericórdia por parte dos seus agentes, os visitadores, ao que a misericórdias retorquiam referindo que se encontrariam sob a protecção régia
[18] .

3 Ordem de Santiago, pólo de poder no Portugal moderno.

A implementação da ordem de Santiago em Portugal resultava de um propósito muito concreto solicitado por parte da Coroa, em virtude do processo da Reconquista Cristã. Tornava-se evidente a necessidade de uma colaboração, afastando a ofensiva muçulmana
[19] .
Traduzindo-se esta colaboração numa doação de castelos, vilas e lugares na área recém conquistada, que urgia defenderem. Sendo extensivo a todas as Ordens, uma dupla vertente, com objectivos diferentes: militarização do território e a gestão do seu património resultante das doações régias, particularmente sentida nos extensivos domínios desde o estuário do Tejo a oeste de Beja. Sendo sua pertença Palmela, Alcácer do Sal, Setúbal, Cabrela, Santiago do Cacem e Aljustrel, ás quais se juntavam ulteriormente Odemira, Ourique, Almodôvar e Castro Verde, participando na defesa e integração dos castelos meridionais no património nacional. Determinando o inicio do processo de autonomização do ramo português relativamente à administração castelhana, representada na autoridade do seu mestre, que se prendia em parte com a especificidade que Derek W. Lomax mencionara, a existência de um arquivo separado para o território português
[20] .
Contudo é notória uma mutação na ordenação política administrativa alusiva à reconquista, tornando-se a Ordem uma instituição à parte da Coroa, levando esta e incrementar a partir de D. Dinis o arranque do processo de nacionalização, numa redução dos senhorios entre os quais os das instituições religiosas, com o propósito de lhes limitar a autoridade, impedindo o acesso ao poder político, evitando o perigo de uma hipotética interferência externa, quer na politica nacional quer na defesa das fronteiras, demonstradas no poder dos mestres estrangeiros sobre os governadores e comendadores dos castelos portugueses .Obrigando-os a encetar junto da Santa Sé os seus intentos, da qual surgiu uma bula «Pastoralis offici» de Nicolau IV, revogando a determinação precedentemente definida, atitude posteriormente confirmada com Bonifácio VII. Em 1318, D. Dinis com a ordem (vertente potuguesa) enviam à santa Sé uma embaixada composta por Manuel Pessanha e Vicente Anes, procurando entregar um manifesto onde fazia parte a referencia ás concessões efectuado por parte dos reis de Portugal, nele vinha expresso uma lista dos estragos, alienações e usurpações provocadas pelo desinteresse e má administração dos mestres castelhanos. Corroborando o desejo de independência a elaboração em 1327, dos «estabelecimentos», em que foi atribuída aos reis portugueses, o poder de supervisionarem a ordem que até ai pertencia ao mestre castelhano, ficando a ordem a partir desse momento a ser uma instituição nacional, não mais prestando os espatários portugueses, qualquer tipo de obediência aos mestres castelhanos.
A interferência da Coroa na administração da Ordem continuaria com a imposição de D João I de um homem da sua confiança, Mem Rodrigues de Vasconcelos em detrimento da escolha efectuada pelos cavaleiros da ordem. Em 1418 a intervenção aumentara com a obtenção da bula «In Apostolice Dignitatis» que permitia a entrega do mestrado de Santiago ao seu filho, infante D. João, possibilitando a posse contínua dos cargos maiores da ordem, mestre e comendador-mor no seio da família real. O infante D. João acaba por padecer em 1442, sucedendo-lhe na administração da ordem de Avis e Santiago, D. Diogo, mas a menoridade deste levaria ao seu tio e tutor infante D. Pedro e assegurar-lhe os seus interesses, assumindo o governo da Ordem, atribuindo-se a D. Pedro entre outras medidas o lançamento das obras da igreja de Santiago em Palmela a concessão em 1444 ao infante D. Fernando, filho de D. Duarte e irmão de Afonso V dos mestrados das ordens de Avis e Santiago. Após a morte de D. Fernando (1470) em Setúbal e o seu único herdeiro em 1473, D. Afonso V concedeu a D. Diogo todos os títulos e bens referentes ao seu irmão, entretanto falecido, exceptuando o Mestrado de Santiago que competiria ao seu filho D. João II. D. João II que promove a administração da Ordem, tendo em vista entregar os mestrados a seu filho e único herdeiro D. Afonso, no entanto isso não viria a acontecer devido à sua morte, fruto de uma queda a cavalo, restando-lhe somente a nomeação do seu filho bastardo D. Jorge, fruto da sua ligação com Ana de Mendonça, obtendo para esse efeito do Papa, bulas que ratificavam a sua entrega, que viria a acontecer, jurando-lhe obediência os comendadores e cavaleiros numa cerimónia solene no Mosteiro de São Domingos em Lisboa, em Abril de 1492
[21] .

3.1 Estrutura e funções – Compunham-na leigos e clérigos, característica que marcava a diferença face ás outras instituições religiosas. As funções que lhe eram atribuídas divergiam, porquanto os leigos actuavam e residiam no século enquanto os clérigos tinham como seus deveres a oração e a assistência ás almas vivendo em comunidades, embora fossem ambos fossem designados de freires. Nesta condição é possível referir a existência de uma tipologia de freires leigos.

3.2 Hierarquia de comando – A estrutura da organização de comando compreendia, em primeiro lugar o Mestre, cuja função se repartia por quatro níveis distintos, porque exercia simultaneamente diversos poderes que por sua vez se repercutiam em diferentes vertentes: politica, legislação, julgamento e execução quase ilimitada, sendo sua única condicionante a preservação da Ordem e de todos os direitos dos seus elementos constitutivos, na medida em que à ordem cabia assegurar em geral as famílias dos seus membros e vassalos do seu senhorio, as almas dos freires e o mantimento das suas hostes.
O governo do mestre propunha -nos uma substantiva participação duma imagética representativa e simbólica, visto que a sua pessoa representava e simbolizava a Ordem, sendo senhor de tudo o que por sua vez lhe estivesse acoplado, nesta acepção responsabilizava-se pelo seu comportamento no quotidiano doméstico, composto pelos familiares dos cavaleiros casados, estando atento e providenciando a sua ordenação.
Como chefe espiritual a sua função requeria uma acentuada interpretação dos conteúdos das normas de acordo com os interesses da Ordem e das almas de cada um dos respectivos membros. Por fim a sua última tarefa seria preservar pela manutenção do comando das hostes militares.
Prior- Mor, segundo na hierarquia , desenvolvia a sua autoridade suprema sobre os clérigos e noviços , coadjuvando o mestre no exercício das suas actividades , assegurando a administração da Ordem em morte, destituição ou demissão do mestre , até que fosse eleito um novo mestre . Ainda nos clérigos podíamos encontrar os Priores das igrejas, responsáveis pelo serviço religioso de todas as igrejas da Ordem e a cura das almas dos seus fregueses.
Os capelães, que nas casas dos mestres ou comendadores davam missa e administravam os sacramentos; asseguravam a manutenção dos livros dos registos dos confessados, motivo pela qual deveriam estar presentes nas cerimónias e lançamento dos hábitos.
Beneficiados, responsáveis pelas acções assistenciais, ministrando o seu apoio ás enfermarias, administrando as capelanias, celebrando os aniversários e por fim desenvolvendo o ensino junto dos filhos dos freires leigos que no convento poderiam viver até aos quinze anos, significando que a Ordem teria que os manter e assegurar a sua instrução. Tanto os Priores como os Beneficiados deveriam ser apresentados nos respectivos cargos pelo Mestre, depois da indicação do Prior – Mor que levava a cabo uma escolha no Capitulo Doméstico, onde avaliaria a habilidade e idoneidade dos presentes escolhendo o feire mais hábil , que mais apto estaria para desempenhar o cargo. Pesavam nesta selecção, a antiguidade de profissão e a idade mínima de trinta anos caso o benefício implicasse a cura das almas.
Comendador – Mor, tinha a seu cargo a chefia e a coordenação das comendas, mediando a relação entre os outros comendadores e o Mestre. Comendadores, seriam os freires leigos a quem lhes era dada uma comenda, infira-se o direito de administração de uma vila, lugar ou castelo do senhorio da Ordem e suas subsequentes rendas e direitos que dai adviessem. A sua manutenção, devido a factores como a juventude ou falta de merecimento, em que lhe não seria atribuída comenda, estaria a cargo da mesa mestral , constituída pelo conjunto de bens e comendas destinadas à manutenção da casa do mestre , ajudando – o no cumprimento das suas obrigações. A sua função significava um órgão de governo pessoal na perspectiva em que a sua acção exercida sobre as comendas seria exercida a título individual.

3.3 Regimento das visitações de D. Jorge – Ao efectuarmos a analogia do regimento das visitações de D. Jorge elaborado com base no modelo castelhano, permite-nos compor uma imagem mais precisa dos deveres, distribuídos pelos campo administrativo, militar e espiritual na transição do século XV para o século XVI, conhece-se os deveres que os comendadores enquanto freires leigos, os visitadores e os capítulos estariam sujeitos. Os Comendadores deveriam cumprir, possuir e conhecer a regra, rezar as horas e orações obrigatórias, receber os sacramentos, ouvir missa diariamente caso fosse possível, cumprir fielmente os votos os e a usar vestuário ditado pela regra e obedecer ao Mestre em caso de guerra.
No acto de entrega em que tomavam posse das Comendas, levar-se-ia a cabo a elaboração de um documento de que extrairiam dos treslados, contendo o registo de entrega, a descrição e a demarcação do bem atribuído. A posse da Comenda, pressupunha para além do prestígio que era conferido a cada um dos seus detentores, poder e riqueza, derivando acções movidas pela inveja por parte dos indivíduos cavaleiros que ao Mestre se dirigiam, na expectativa de lhes serem dadas comendas que outrora tinham sido ocupadas. Outros dos pontos em ter em relevância, exactamente porque deles advinha discórdias, dizia respeito ao destinatário dos frutos, sementeiras e rendas provenientes das Comendas.
E aqui é possível estabelecer uma relação entre o indivíduo e a Comenda na medida em que a principio os Comendadores estariam obrigados a ter residência fixa na Comenda, obrigação que o tempo atenuou, constatando o Comendador que seria possível, caso lhes fossem dadas as necessárias autorizações é claro. Nada obstaria à sua vivência em outros lugares que não as Comendas, sendo até possível arrendá-las caso fosse necessário, quando delas não se poderiam ocupar directamente.
Fora desta possibilidade estariam os Priorados, dados como as Comendas, diferenciando-se, pela vinculação dos priores ao local do beneficio. Portanto aos Comendadores era-lhes permitido, aforar, emprazar os bens, desde que para a Ordem revertesse proveitos. Uma vez livres os bens, deveriam ser apregoados em praça pública dos respectivos lugares durante dez dias, a fim de serem vendidos a quem por eles mais oferecesse. Os contratos estipulados seriam extensivos a um período de três vidas e a sucessão seria por nomeação dos emprazados anteriormente. Se o bem fosse pequeno e estéril, poder-se-ia fazer um contrato de enfiteuse perpétua. Em qualquer dos casos os Comendadores necessitavam de uma autorização prévia do Capitulo.
Visitadores, tinham como competências: informarem-se do real valor das rendas dos comendadores e cavaleiros para os notificarem do número de homens que tinham direito para desempenhar os serviços; seguir o mestre e o comendador – mor sob as suas bandeiras, excepto se estivessem autorizados a seguir outro senhor; o direito de serem informados pelos priores dos agravos da Ordem, o modo como vivia os seus fregueses e a existência de alcoviteiras, feiticeiras e usurários, a recepção dos sacramentos ou a sua recusa – caso estes propósitos fossem verificados, procede ria-se à detenção de todos os prevaricadores.
Todavia a acção dos visitadores não compreendia só estes particularismos, aludia também aos oficiais da Coroa (escrivães e tabeliães), sendo imperativo o mostrar das cartas dos ofícios que a Ordem lhe concedera. Terminando o processo de visitação com a verificação do estado de conservação dos bens móveis e imóveis, rendas e heranças que para a Ordem teriam revertido, entre os quais vigoravam igrejas, fortalezas, casas de comendadores, fornos e moinhos e a leitura das anteriores visitações a fim de verificar o que delas restava cumprir, executando-se as penas impostas quando pecuniárias. A metodologia repartia-se por três pontos, correspondendo uma parte ao convento, outra ao acusador e a restante para a redenção dos cativos.
Por fim o regimento descreve-nos os órgãos colegiais de governos como o Capitulo Geral, Capitulo Particular e Capitulo Doméstico. O Capitulo Geral representava a grande reunião da Ordem, vocacionado para tratar de assuntos da instituição e dos seus membros no campo espiritual, arrolado pela correcção de faltas, controle da vida dos cavaleiros e clérigos e a aplicação da regra, quer no plano material, resolução das questões alusivas ao senhorio, tais como alienações, aforamentos e emprazamentos de bens, dízimos e ainda a análise das visitações.
Um dos órgãos consultivos mais importantes do Capitulo seria os treze, todos deveriam estar presentes, em caso de falta procedia-se a eleição de um substituto entre os cavaleiros restantes, perfazendo o número. Capitulo Particular, realizado durante um dia somente, sem data fixa, quando o Mestre acha se pertinente. Nele era existente a similitude no que diz respeito ao cerimonial e à ordem de antiguidade, como a respectiva distribuição adveniente dos participantes. Se expunha os assuntos a tratar após a leitura. Por fim o Capitulo Doméstico, que constitui uma reunião entre os freires, Prior do Convento, Prior – mor e eventualmente o próprio mestre.

3.4 A normativa e a prática dada pela regra – Todos estes actores, entenda-se no sentido de indivíduos que representavam um conjunto de tarefas que lhes dava um papel preciso numa hierarquia regulamentada, tinha como principal ponto um texto normativo (regra canónica), que estaria na génese de toda a Ordem. Veiculava um paradigma que deveria ser cumprido, mediante o seguimento de princípios espirituais, deontológicos e jurídicos, informando-nos da forma como os indivíduos estariam organizados. Subjacente a este princípio estava um ideal de perfeição que deveria ser seguido por todos indivíduos insertos na totalidade religiosa, sociais e económicos, restando aos membros a sujeição a um pecado com penitência, casam não aceitassem as suas cláusulas, determinadas em código penitencial.
Contemplado na documentação estava a referência aos Cónegos Regulares de Santo Agostinho em matérias referentes à vida comum, ao trabalho, pobreza, exercício da vida activa e obras de misericórdia. Resultando de todas estas influências uma regra destinada a ser cumprida por dois tipos humanos distintos, laicos e religiosos, numa estruturação dupla que lhes fornecesse um enquadramento global, possibilitando o juramento de todos estes, colocando-os sob a protecção do apostolo São Tiago, permitindo a quem quisesse seguir uma nova relação com Jesus Cristo, através da oração e do exercício da actividade guerreira, tendente à defesa dos cristãos e redenção dos cativos. De molde a ser actualizada levava a efeito os «Estabelecimentos» dos quais advinha um novo suporte para as vicissitudes dos tempos presentes com dos vindouros, continuando como texto normativo.
Directamente conexionada com o momento em que o individuo ser tornava cavaleiro estava a ultrapassagem de várias condicionantes a fim de ser entregue o Hábito. Correlativa a esta entrega estaria uma cerimónia e a idade mínima de catorze anos. Formulada a intenção de entrada, os candidatos sujeitavam-se a um exame prévio a fim de averiguar a sua origem. Posteriormente ser-lhes-ia revelada as exigências que a Ordem operava aos seus membros, como a pobreza de vida regular, o poder da disciplina a que eram sujeitos e o esforço que teriam de despender para cumprir as promessas que tinham feito. Seguindo-se a apresentação aos restantes freires em Capitulo Doméstico, sentando-se aos pés do Prior – Mor ou do Mestre, num gesto de humildade, em que seriam informados para a mudança que nas suas vidas iria acontecer, alertando-os que não acalentassem nenhum tipo de expectativas na eventualidade de virem a receber comenda ou mestrado e os clérigos priorado.
A Ordem unicamente se comprometia a fornecer-lhes dois elementos, pão e água, atendendo ao facto que seria a única maneira de verificar se os candidatos realmente estariam dispostos a passar por tudo pela profissão e defesa da ordem, questionando-os nesse sentido a fim de saber se estava dispostos a defenderem tudo o que representasse qualquer tipo de ameaça para a Ordem, em caso de resposta afirmativa seriam informados do que é que a Ordem lhes exigia e de que a negação de toda a informação que lhe tinha prestado, seria inadmissível.
Nesse momento o magistrado que presidia a cerimónia perguntava lhes se eram casados ou tinham prometido casamento a alguma mulher, o que implicava que as suas mulheres em caso de casamento, estariam autorizadas a referir publicamente a sua profissão em acto lavrado notarialmente. Restando no fim averiguar se tinham dividas que viessem a perigar as finanças da ordem nomeadamente numa situação de penhora .
Chegando o momento após estas etapas concludentes, de lhe ser entregue o hábito (manto branco da ordem), benzido pelo prior ou pelo mestre. Posteriormente ser-lhes-ia ensinada a regra, disciplina monástica, num processo que demoraria sensivelmente um ano de provação em convento – espécie de noviciado que antecedia a ultima fase da profissão – em que seria entregue ao novo freire enquanto cavaleiro um documento contendo a assinatura do Prior – Mor, com o selo do convento referindo que fora armado cavaleiro, registando o património que lhe tinha sido adicionado.

4 Taxinomia moderna.

4.1 Nobreza – Ao estabelecermos a analogia da nobreza nos séculos XV-XVI é evidente que a sociedade objectivada por uma tripartição, que por sua vez se reflectia numa trifuncionalidade resultante das acções do Clero, Nobreza e Povo e seus respectivos privilégios, reportava a uma vontade normativa da sociedade no Antigo-Regime, mediante a qual era mantida a ordem do mundo. Contudo a estrutura estatutária na sociedade moderna portuguesa era muito mais complexa – apesar de assim ser pensada, não correspondia ao modo como era vivida. Por outras palavras estava decorrendo no edificar da sociedade moderna o desfazer das Ordens em relação à realidade societária vigente, apesar de funcionar no seio da mentalidade colectiva a propensão para ver Ordens, funcionaria antes Estados.
A sociedade de Ordens radicava numa ordem social hierarquizada verticalmente baseada no reconhecimento de um estatuto a que corresponderia cada indivíduo, consoante a importância a que pertencia. A cada ordem corresponderia certos direitos e deveres, sendo em função da Honra que seriam distribuídos cargos e privilégios, ao passo que na sociedade de Estados, estávamos presente uma hierarquia horizontal profana, agrupando lado a lado indivíduos pertencentes a cada uma das Ordens, ocasionando uma alteração dos fundamentos estruturantes do sistema social presente
[22] .
Vários tipos de nobreza existiam, a nobreza natural ditada pela ordem da sociedade, resultante do desempenho de funções de poder ou dignidade, hereditária não generativa. A onde o nobre após a passagem de várias gerações teria dificuldade em provar o seu titulo originário, utilizando para esse efeito dois critérios – a fama e a vida que até ai tinha levado. Segundo o direito nacional, incluía-se nesta categoria: o príncipe; os titulares e os fidalgos do Solar. Vindo em primeiro lugar os que tivessem títulos de nobreza como eram os casos dos Duques, Marqueses; Barões e Condes. Em segundo lugar os detentores de senhorios com jurisdição e por fim os fidalgos matriculados nos livros das matriculas da casa real
[23] .
Nobreza politica decorria do direito civil, atribuída ao nobre que exercesse funções na república. Reputando o direito, quer comum quer o natural a privilégios e a profissões (não todas) de cariz intelectual. Como a não sujeição à tortura e a penas de prisão, isenção de tributos pessoais, imunidade à prisão por dividas. Beneficiando da complexificação da burocracia e do alargamento da noção de nobreza, a doutrina atribuía aos bacharéis, licenciados e doutores em teologia e direito (cânone e leis), medicina, filosofia e matemática o título de nobres
[24] .
Aqueles que tivessem obtido um grau em direito, estavam em posição mais favorável, nomeadamente nas Universidades de Coimbra e Lisboa, donde provinham os futuros especialistas (togados) constituintes dos quadros da Res pública, que viriam a integrar a burocracia régia. De relevar que somente uma fracção privilegiada do oficialato chagaria aos lugares de topo, obtendo as mercês inerentes, com uma nomeação para o Desembargo do Paço.
Maria de Fátima Coelho dá-nos a evolução da nobreza, mencionando que esta ter-se-ia modificado aquando o século XV e XVI principalmente, em que ocorre maior amplitude da nobreza cortesã dedicada ao funcionalismo, sobretudo após as descobertas e conquistas no Indico e no Atlântico Sul, com a distribuição e exercício de cargos governativos de grande autonomia, devido à acentuada distância dos territórios em que se encontravam estabelecidos
[25] . Refiro-me à nobreza de província, não homogénea, dividida em várias categorias: fidalgos de solar; fidalgos de solar conhecidos; fidalgos de solar notórios e fidalgos de grande solar, segundo as distinções hierárquicas fornecidas pelos juristas.
Os primogénitos herdavam a casa e a administração dos vínculos acumulados pelas suas famílias, por sua vez os filhos segundos quando não era possível legar-lhes bens de raiz, eram tendencialmente canalizados para uma carreira religiosa. As armas continuavam a representar uma alternativa para a formação dos secundogénitos. Encontrando-se ainda na fidalguia de província, fidalgos da casa real e alguns donatários de terras de onde provinham uma parte dos capitães-mores.
A ocupação de cargo na administração colonial era utilizada pela nobreza com uma oportunidade para exponenciar as suas rendas, através da prática do comércio. Esta nobreza ultramarina desenvolvia um gosto pela mercancia, que se opunha à honra e a riqueza proveniente do cultivo de terras, entretanto desvalorizadas. Alheio a este facto não estava certamente o medo de más colheitas – o indivíduo nobre tornava-se então mais pragmático é objectivo com a expansão marítima em marcha (século XVI). Tomando a decisão de participar na empresa ultramarina, aliando a honra familiar com a ambição e proveito subsequentes dos novos títulos. Como eram exemplo o governador, vice-reis, capitães de fortalezas e donatários, consequência de um progressivo Estado centralizado.
Deste modo ocorre o crescimento do comércio à distância favorecendo o surgimento de uma classe mercantil, que começara a ser construída no reinado de Afonso V, com a reestruturação da nobreza, no que diz respeito à criação de novos títulos nobiliárquicos e ao aumento de novas casas senhoriais, numa dinâmica expansionista, em que se procurava implementar a máquina nos domínios da justiça, guerra e fazenda, bem em como todos níveis da administração pública, na medida em que os estados nacionais europeus na altura, não dispunham ainda das estruturas e pessoal indispensável a fim de realizar na sua plenitude as decisões do governo central. A par desta situação acrescia ainda a importância da realidade politica preconizada pelas clientelas e suas respectivas fidelidades, que a coroa procurava optimizar, salvaguardando o seu poder no território metropolitano e ultramarino
[26].
Engrandecendo o numero de fidalgos presentes na fazenda pública a onde se adestravam na prática da mercancia, familiarizando-se com um novo mundo que muitas das vezes diferia do seu lugar de origem. O estádio que se seguiria seria o comércio regional de cabotagem, com a concessão de capitanias aos capitães, feitores, escrivães, que em suas rotas promoviam o transporte de especiarias, em regime das quintaladas em proveito próprio. Transformando-se o reino medieval em império ultramarino no qual Portugal abria as portas ao mundo.
Obviamente no rei, actor principal desta hierarquia, terá que se referir. Nele recaía vários corpos expressos em quatro funções: senhor da justiça, da graça e o chefe da casa, correspondendo a várias prerrogativas. A primeira seria estabelecer um juízo, num processo regulado e metódico, através da audição de todos os interessados, ponderando os argumentos e cumpridos todos os requisitos de competências estabelecidas pelo direito, dando os seu veredicto – no juízo e na arte de encontrar o equitativo.
A jurisprudência era então a área que dominava os orgãos ordinários do governo (tribunal, conselhos, magistrados e oficiais), cuja competência vinha explicita na lei. Obedecendo a um processo regulado de formação de decisão, não sendo pois de estranhar que os juristas predominantemente dominassem estes processos de decisão. Por graça, inferia-se «a atribuição de um bem que não competia justiça cumulativa ou distributiva .
A terceira área seria a oeconomia em que e o rei seria o marido da republica e o pai dos vassalos. Implicando que aqueles que teriam como cargos, a direcção da coisa pública, previamente deveriam exercitar em suas casas no seio das suas famílias, percepcionando os interesses divergentes tendentes à preservação da discricionariedade, promovendo uma administração activa. A lei em suma, deveria ser escrupulosamente cumprida e efectivada pelo rei, que não hesitaria, caso fosse caso disso em se por em questão, submetendo-se aos tribunais como parte. Em especial no direito civil em temáticas alusivas ao património. Simultaneamente o rei passar-se-ia a distinguir do reino, passando a ser mais de que o senhor da qual seria espectável o seu veredicto
[27] .
4.2 Terceiro estado – Não homogéneo, subdividia-se segundo uma tipologia em que se encontravam presentes, os legistas, que ambicionavam obter o privilégio de nobres; constituíam uma classe privilegiada de funcionários públicos, magistrados, advogados, conselheiros legais, professores universitários, físicos e farmacêuticos. Suas remunerações dependiam dos salários pagos pela coroa como também das contribuições e serviços garantidos pelo povo, que se revertiam em alojamento e alimentação. Coroa cujo neles exerceria seu poderio, fiscalizando-lhes as suas aptidões profissionais, nomeando-os para os respectivos cargos.
Estavam isentos de impostos gerais como também de artigos judiciais vis e ainda poderiam andar armados e montar a cavalo. Investiam seus rendimentos em terras e em actividades de comércio. Procuravam efectuar casamentos dentro da aristocracia perspectivando pertencer ao estado eclesiástico, gozando-o dos seus privilégios com ordens maiores e menores.
Os cidadãos ou homens bons, por não exercerem seus ofícios com as mãos era considerada gente limpa. Formavam uma classe de proprietários e mercadores que investiam na terra a maior parte dos seus lucros, ocupando a maior parte dos cargos municipais, motivo pelo qual se encontravam representados em Cortes. Poderiam também ser taxados como burgueses, embora os lucros comercias advenientes das suas actividades no comércio nacional e ultramarino viessem a declinar face resultante da actividade dos estrangeiros, coroa, família real, nobreza e dos burocratas
[28].

4. 3 Minoria judaica – Se procurarmos entender o papel que a minoria judaica representava numa sociedade estatutária, com a portuguesa, temo-la em primeiro lugar que a associar a outro conceito, o de marginal. Na medida em que tal como o marginal a minoria judaica também era postergada pelos seus padrões culturais vigentes. Vivendo em comunidades com direitos e usos próprios, em judiarias subdivididas em comunas em termos análogos à organização municipal, sendo os actos da comuna realizados dentro da sinagoga.
A eleição dos magistrados e oficiais eram eleitos no século XV por pelouros, pelos membros constituintes de cada comuna. A magistratura superior seria a do arrabi, coadjuvado por três vereadores. Possuíam almotaçaria própria, o património era zelado pelo procurador e pelo tesoureiro. Os letrados estavam responsáveis pelo ensino e os capelães pelo culto. A similitude entre comunas e concelho era evidente, na medida em que tal como no município se distinguiam os homens – bons convocados para certas deliberações mais importantes, possuindo mesmo tabeliães privativos.
Todas as comunidades judaicas do reino encontravam-se sob a jurisdição do arrabi-mor nomeado pelo rei, com poderes similares aos dos corregedores, confirmava a eleição dos arrabis de todas as comunas, nomeando os ouvidores das comarcas para o pais inteiro assistido por um escrivão jurado responsável pela redacção de todos os desembargos, feitos, livramentos e escrituras que o arrabi- mor ou o ouvidor que acompanhava desembargava e mandava fazer . Por fim um porteiro jurado que fazia as penhoras e executava as sentenças. Ao qual se apelava em casos de se tenças proferidas pelos arrabis nos feitos crimes, no caso do juiz perante essa situação recorre-se, se as partes não o fizessem, contudo o arrabi – mor não tinha competência para julgar definitivamente o recurso, exceptuando se o facto punido fosse um crime segundo o direito talmúdico, em que findaria o recurso expressando a sua decisão. Das sentenças dos ouvidores cabia recurso directo ao rei (vide m. Caetano)
A minoria judaica à semelhança de toda a sociedade, encontrava-se dividida segundo o privilégio que ditava uma classificação e definição social. Dando lugar a uma diferenciação baseada na capacidade de pagamento de impostos, que segundo o credo mosaico deveriam remeter para o rei, concelho, e comuna.

4.3.1 A elite judaica – comportava a presença dos cortesãos, que postulavam maior proximidade junto do rei, nobreza e alto clero, assentes na riqueza e no prestígio. Que fazia que sobre eles incorre-se maiores favores por parte da coroa, atribuídos aos banqueiros, sociedades mercantis, mercadores estrangeiros e grandes famílias nobres. Diametralmente opostos a estes estavam os estratos mais pobres da sociedade, similares aos dos concelhos cristãos, em virtude da sua heterogeneidade, expressa na presença dos mesteirais de tenda aberta, assalariados, pequenos mercadores e trabalhadores rurais por conta de outrem, que se reflectia no número de colectados pelo fisco. Por fim a indigência assegurada pela assistência ministrada pela comuna, sustentada pelos hospitais e confrarias e a prática da esmola [29] .
4.3.2 Economia – A base de economia da minoria judaica assumia com maior acuidade a «riqueza móvel», atribuída aos empréstimos a juros, o que ocasionava acusações por parte dos procuradores do concelho, apodando-os pejorativamente de usurários, alegando que os seus rendimentos provinham do trato ilícito, levando os à miséria dos cristãos, dedicados à agricultura, personificando a improdutividade em momentos de crise social [30].
Contudo o que era evidente é que a percentagem de judeus dedicados à mercancia seria muito reduzida. A grande maioria dedicava-se ao comércio local e regional como almocreves ou pequenos negociantes em feiras regionais, promovendo a compra e venda, aguardando em casa os restantes familiares em lojas ou tendas, onde davam lugar à prática de comércio, nas localidades onde residiam. Nomeadamente o mercador – banqueiro judeu que desempenhava um papel de extraordinária importância, dinamizando o sector da banca, seguros, e administração senhorial, com a prestação de serviços em troca de interesses e de dinheiro.
Resultando da sua presença a ruptura da economia de tradição medieval baseada em trocas directas, para uma economia aberta, monetária que rompia com o esquema tripartido da estruturação medieval. Consolidando as politicas económicas enquanto a burguesia cristã e a nobreza, estariam na origem do protagonismo do capitalismo de estado, com o absolutismo e o mercantilismo evidentes na figura do cavaleiro – mercador.

4.3.3 Da segregação à expulsão – A contextualização da expulsão dos judeus, começara a ser delineada aquando da morte de D. João II, pretensão que viria a crescer fruto do desejo de D. Manuel casar com D. Isabel, filha dos reis católicos, viúva do entretanto falecido D. Afonso, único herdeiro de D: João II, visto que desejava unir as duas coroas.
Ambição que acabaria por estar directamente relacionada com a ostracismo, que as comunidades judaicas foram alvo. Na medida em que D. Isabel exigia a sua expulsão do reino, sob a acusação de heresia, de modo a ser possível a união religiosa ibérica. O que viria a ocorrer a 5 de Outubro de 1496, com a expulsão da minoria judaica e moura, ficando sujeitos à pena de morte e confisco de bens, os que restassem. A maioria acabaria por ser baptizada voluntariamente ou à força.
D. Manuel poria em prática um conjunto de politicas dúbias, por um lado pretendia expulsá-los, por outro tentava impedir a sua saída do reino, aliciando-os ao baptismo, limitando-lhes o embarque nos navios, sob pena de perderem os seus bens confiscando-lhes os filhos, oferecendo-os ás famílias cristãs. Evitando assim o empobrecimento do reino em dinheiro, matérias-primas e mercadorias.
Com esta politica integracionista resultante dos baptismos, D. Manuel conseguia a união religiosa do reino, integrando esta ex – minoria na maioria cristã., surgindo a figura do cristão-novo. Dividindo-se a comunidade com estes dissidentes, caindo os que ficaram na clandestinidade, assimilando a religião de Estado. Durante as Centúrias seguintes os judeus. Contudo muitos continuaram resistentes, apesar de no exterior se comportarem como cristão -novos, no interior de suas casas continuariam a judaizar convictamente, particularmente as mulheres que veiculavam a tradição judaica a seus filhos. Recaindo em si a atenção dos Cristãos.- Velhos que em bairros contíguos viviam observando – os.
Alheia e esta conversão não estaria o desejo de alcançar a nobilitação por parte dos estratos mais altos, que pretendiam estar mais próximos do poder, alcançando tudo o que lhe fora anteriormente vedado, em consequência das leis canónicas e ordenações gerais do reino. Acedendo à nobreza, igreja, magistratura, cargos municipais, universidade e cidadania. Provocando o crescimento do anti judaísmo por parte do povo miúdo e das oligarquias locais, que tentavam obstar o acesso aos cargos concelhios e a funções na administração central
[31] .

5 Administração: oficialato e poder.

5.1 Oficiais – O papel dos oficiais no advento da modernidade tem que ser perspectivado segundo uma óptica plural, devido à multiplicidade de interesses existentes, nomeadamente da coroa e dos concelhos. Deste modo os oficiais dividiam-se em três grupos correspondentes à administração central, territorial e local. A administração central era composta pelos oficiais cujo o grau de proximidade com ao monarca seria maior, pertencente à casa, câmara, puridade, tribunais superiores, correcção da corte, almotaçaria – mor e restantes comandos militares. A local pelos cargos concelhios e delegados locais da coroa, mordomo porteiros, homens das sisas, escrivães das sisas e escrivães dos feitos das sisas e das sacas. E por fim a administração territorial, constituída pelos corregedores, ouvidores, meirinhos, fronteiros – mores e juízes da alçada.

5.2 Delegados locais da coroa – Procurando contextuar a administração em especial os delegados locais da coroa, importa em primeiro lugar explicitar o papel dos juízes, entenda-se juízes de fora e corregedores. Juízes de fora, eram tal como os juízes eleitos, os magistrados ordinários dos concelhos, tendo princípios e atribuições iguais. De acordo com a formação letrada desta magistratura, a doutrina e também a própria lei denunciava a distinção que grassava entre uns e outros como também dos padrões oficiais e letrados de julgamentos. Embora fossem nomeados pela coroa, instituíram-se efectivamente laços de dependência densos, como também por conseguinte redes mais eficazes entre os magistrados locais e a administração central. O juiz de fora alias como o próprio nome indica, pelo facto de ser um oficial exógeno, não apresentava qualquer tipo de comprometimento ou afinidades relativamente ás oligarquias familiares concelhias. Nesta acepção seria certamente estranho aos bandos locais, provocando o enfraquecimento das estruturas locais, o que revertia a favor da coroa. Tinham ainda como sua função filtrar toda a comunicação entre o centro e a periferia, construindo uma rede de informação que percorria todo o reino. Conjuntamente com os corregedores e provedores fortaleciam a rede burocrática.

5.2.1 Corregedores – Tinham como suas competências matérias de justiça, referentes à inquirição das justiças locais (mas não a dos juízes de fora) e seus respectivos oficiais, defesa da jurisdição real e ordem pública, inspecção das prisões, avocar os efeitos dos juízes ordinários no raio de duas léguas, conhecer os agravos das decisões interlocutórias das justiças locais senhoriais.
No âmbito politico eram suas funções a tutela em geral do governo concelhio, verificando se as eleições dos juízes e oficias concelhios eram feitos na forma de ordenação. Propor ao rei a reforma das posturas, controlar a administração financeira concelhia, inquirir os médicos, cirurgiões e outros oficiais locais, que não fossem inspeccionados pelos provedores ou contadores, constatar o estado das obras públicas realizadas no espaço da comarca como entradas, pontes e casas de concelho teriam sido construídas, assim como castelos. Por fim a sua última função seria vigiar o contrabando de ouro, prata e cerais panificáveis.
A sua superintendência na comarca exercia-se maioritariamente sob a forma de tutela como foi dito supra e um poder hierarquizado, relativamente a matérias alusivas à administração das câmaras e seus respectivos oficiais, cuja inspecção lhe competia. Contudo note-se que o corregedor apenas a podia efectuar onde constatava que as obras não decorriam conforme os regimentos. Todavia o impacto da sua acção fora dirimido devido ao facto da sua influência não abranger as finanças e a milícia. Portanto o domínio da magistratura do corregedor, assentava sobretudo no funcionamento da justiça. Marcelo Caetano di-lo esclarecedoramente, quando refere que os corregedores:

«Deveriam verificar se as querelas por feitos crimes eram registadas e tinham seguimento conveniente, mandando prender os criminosos que indevidamente andassem à solta e proceder à inquirição dos crimes graves, bem como verificar se as investigações anteriores haviam sido conduzidas como devia ser. Podiam dar cartas de segurança, salvo em feitos de morte, de aleivosia ou traição, sodomia, moeda falsa ou heresia, devendo nos outros casos concede-las de modo a não causar escândalo. Perseguiriam as barregãs dos clérigos e zelariam por que os crimes dos próprios clérigos não ficassem impunes por negligência ou protecção dos seus superiores. Reprimiriam os bandos, castigariam os encobridores, providenciariam sobre o porte ilegal de armas os enfamadores dos mosteiros femininos»
[32]

Eram auxiliados por oficiais costumados, escrivães, contadores, distribuidores e inquiridores

5.2.3 Provedores – Cujas funções seriam normalmente associadas ás do contador, tinham como finalidade tutelar os interesses dos titulares em que não se encontrassem reunidas as condições suficientes por eles próprios levarem a cabo a administração do seu próprio território, com eram os casos dos defuntos, ausentes, órfãos e cativos. Situação similar abrangia as pessoas colectivas que por razões teóricas ou práticas a eles deveriam ser equiparadas – matéria interessava pois a um grupo significativo de confrarias, capelas, hospitais e concelhos – outras das suas funções seria fazer cumprir as deixas testamentares, no que respeita a legados pios, procedendo em conformidade, apurando e verificando os resultados dessas mesmas deixas, remetendo-as ao resgate dos cativos sitos nos bispados. Em ultimo lugar a sua função tinha como finalidade a superintendência da administração, da fazenda, do exercício e dos juízes dos órfãos, aos quais responsabilizava visto terem jurisdição cumulativa, corroborada pela sua presença nas terras de quem fosse alvo de agravos, procedendo-o em conformidade tomando as necessárias providências apelando para a jurisdição competente. Todas as suas funções seriam exercidas em provedorias que correspondiam em geral ás comarcas dos corregedores.

5.3 Concelhos – Constituíam a administração concelhia, os oficiais do governo, vereadores eleitos pelos homens – bons do concelho, almotaçé e procurador do concelho, através do sistema dos pelouros. Sistematizando seis eleitores eram escolhidos entre os mais capazes, pela elite local que constituía uma lista de pessoas. Apurados os votos que cada magistratura ou ofício reuniam, seriam inscritos numa pauta, tirando à sorte o conjunto de magistrados para o triénio seguinte, até que se esgotassem os nomes da pauta. A escolha final era provável que tivesse sido feita em na corte (Desembargo do Paço) para onde seriam enviadas as pautas depois de confirmadas pelos corregedores , a onde assumiam valor de lei, sendo impostas aos particulares, funcionários concelhios e régios.
A gente baixa do concelho seria sempre descriminada pela nobreza local que por via da endogamia e da consanguinidade assegurava o domínio para si e seus apaniguados, sobre a população, monopolizando os ofícios das instituições locais.
Contudo só eram validadas se fossem efectivadas certas regras complementares, como o facto do concelho não poder constituir posturas; estabelecer normas que só aos reis competiria (regalia), evidentes na criação de monopólios ou do lançamento de tributos gerais; o principio da especialidade em que os poderes estatutários dos concelhos estavam funcionalmente vinculados à satisfação do bem particular da comunidade, não podendo tirar direitos concedido pelo direito comum ou tornar ilícito o que anteriormente fora licito, exceptuando o mútuo acordo, na acepção moderna do todo, em que fosse imperativo a utilidade comum.
Abrangia estatutos que estabeleciam multas e penas, que obrigavam à venda ao mesmo tempo que a restringiam, o que subsequentemente se reflectia na importação e exportação como o estabelecer de regimes de cultivo, de pastagens e de apropriação do bem comum, resultando de todas estas medidas, uma casuística – o costume local impunha-se ao direito comum
Assim sendo no que dizia respeito à administração aos vereadores somavam-se os almotacés, que asseguravam o abastecimento e a regulamentação edílica. Seguido do procurador do concelho, cuja tarefa era representar os interesses na coroa. Todos estes oficiais concelhios eram honorários, sem qualquer tipo de remuneração, ambicionados unicamente pelo prestígio.
Todos os juízes concelhios possuíam várias atribuições em função da administração da justiça, manutenção da ordem, defesa da jurisdição real, contenção dos abusos por parte dos poderosos e da polícia e ainda a assistência aos vereadores e almotacés no decurso da sua jurisdição especial em eventuais injúrias.
Seria passível de ser efectuado a necessária sinonímia, visto que os juízes concelhios eram também os juízes ordinários em toda a área concelhia, atribuindo-lhe jurisdição sobre todas as causas, excepto as atribuídas ao juiz especial, juiz dos órfãos e juiz das sisas, que exerciam suas funções com grande autonomia, na medida em que as suas ordens provinham dos magistrados régios ou senhoriais, nomadamente nos casos dos donatários. Por fim embora a concessões dos ofícios camarários fossem efectuadas pelo rei, as câmaras asseguravam o seu provimento. Em suma a administração – central far-se-ia sentir não totalmente na autonomia politica das comunidades locias, devido à confluência de vários factores. No plano doutrinal era justificado pela existência de uma concepção corporativa da sociedade, estruturada, que se pautava pela autonomia das partes em relação ao todo. Por outro lado importa referir que o direito régio, a onde as isenções politicas cristalizavam-se não só quanto ao princípio da eleição das justiças e governanças, mas sobretudo na garantia legal das jurisdições dos concelhos eram asseguradas pelos meios gerais de protecção dos direitos dos particulares, disponibilizados eficazmente.
No que se refere à prática politica – administrativa o estatuto da isenção e autonomia constatava-se pelo reforça da escassez dos meios materiais humanos, componente através da qual a coroa mantinha o seu domínio. Esta autonomia do governo camarário, como nos diz Nuno Gonçalo Monteiro explicita-se pelo facto de o governo tendesse a pautar-se por um ideal de auto subsistência e autarcia local, caracterizando-se os concelhos por grandes disparidades, alusivas à dimensão dos seus termos e volume da sua população, quanto à localização rural ou urbana da sede concelhia, composição dos ofícios camarários, como também à estrutura social dominante em cada zona, o que fazia que as práticas efectivas de intervenção económica, obedecessem a um marco institucional comum, divergindo significativamente de uns casos para os outros
[33] .

Conclusão

Na tentativa de traçar uma visão global deste trabalho, a contextualização do papel do indivíduo dentro do colectivo assume grande perenidade. Na medida em que nesta síntese que procurei corresponder a um guia de estudo, efectuei a caracterização possível de toda a realidade societária moderna. Partindo do pressuposto que não à história unilateral e que todas as tentativas de explicação, através deste ou daquele factor dominante acabam por ser redutoras.
Todas as acções destes indivíduos se baseiam numa realidade mais complexa, plural, entrecruzada, predominando vários planos sujeitos a vários condicionalismos, geográficos, demográficos, económicos e psico- sociológicos .Na perspectiva que a história tem como finalidade proporcionar uma consciência social, que para cada um de nós é também uma consciência de nós próprios, constatando os limites, possibilidades, e realizações do humano, tendo por base o tempo. Então o tempo é o argumento, do qual se extrai o conhecimento.
Assim sendo explicitei os vários paradigmas presentes (jurisdicional, individualista e sinodal) que o individuo fazia parte, na transição de uma sociedade feudal tripartida até ao advento da modernidade, que considerei a partir de finais do século XIV, mas principalmente no século XVI, com o surgimento de uma economia mercantilizada, resultante dos descobrimentos, permitindo maior mobilidade ascendente.
Em primeiro lugar procurei explicitar o início do processo de absolutização, onde a monarquia começava cada vez mais a centralizar em si os poderes. Tracei uma tipologia dos apoios ministrados, considerando os órgãos do absolutismo distinguindo quatro fases na monarquia absoluta, primeira fase o rei tinha em seu redor os conselhos constituídos pelos seus validos, não mais por barões de direito. A administração central era formada por conselhos, tribunais e corpos de carácter judicial.
Segunda fase ao rei era dada a ajuda dos secretários de estado e colégios administrativos, em que era notório um maior afastamento do rei relativamente aos conselhos judiciais e administrativos, referente à realização do trabalho de rotina, progressivamente iam tomando parte da decisão própria nos casos menores. Sendo o expoente máximo o desenvolvimento de colégios financeiros, administrativos e repartições do tesouro, engrandecendo cada vez mais a influencia dos corpos judiciais, ocorrendo a acção do rei em três planos distintos, politico, militar, e diplomático.
Terceira fase, aumenta o grau de governo pessoal do rei, conjuntamente com os seus ministros que dele dependiam, assente numa máquina estadual cada vez mais complexa, crescendo a burocracia suportada pelo rei, dominando-a.
A última fase constitui-se as comissões de ministros, altera-se o papel do rei, aplicando este a sua autoridade através da elaboração de planos de temática económica, cultural e religiosa, efectivando-os com a sua máquina administrativa.
A representação da sociedade, finais do século XIV, princípios do século XV, estruturava-se numa concepção antropomórfica, vigorando a ideia de o funcionamento da sociedade como um corpo se tratasse. Assumindo um anti – individualismo, em que os diferentes corpos sociais eram irredutíveis entre si. Resultando desta irredutibilidade o equilíbrio e o respeito pelas variadas funções e estatutos específicos, hierarquizando – se em funções, cargos e pessoas.
Assumindo maior predominância a teoria politica que valorava os grupos e o colectivo em detrimento do individuo. Este apenas via reconhecido os seus direitos e deveres alusivos ao corpo social a que pertencia. Sendo a consequência a indistinção entre sociedade civil e Estado.
No paradigma individualista a teoria social e política difere, estando subjacente um modelo intelectual, tornando o indivíduo abstracto e igual. Modelo que promovia com maior acuidade a equidade social, na medida em que o libertaria da condicionante do transcendente, laicizando a teoria social. Esta laicização tinha por base o pensamento jurídico e político, resultando duas perspectivas alusivas à vontade de Deus – o providencialismo e o contratualismo –.
Do primeiro as dinastias reinantes veiculavam a vontade de Deus, exercitando –a na terra , o que por conseguinte os revestia dum carácter sacral , sendo o sei poder ilimitado.
O segundo resultava de um pactuar por parte dos diferentes cidadãos e os governantes, isentando a soberania de qualquer sujeição, tendo o dever de efectuar a destrinça do governo relativamente aos abusos de poder, consequência de um governo despótico.
Governo polissinodal , criado no século XV , nele era evidente um novo exercício de poder , com o surgir de uma maior burocratização do poder e ecletismo funcional .Na centúria seguinte ocorre uma diferenciação orgânica, traduzida na institucionalização dos tribunais e conselhos. Aqui realço a acção de D. Manuel I, porquanto a sua administração mudaria o governo e a forma como o rei aparecia. As instituições surgiam funcionando colegialmente, fornecendo seus conselhos, caso fossem solicitados por parte do rei. Regulamentavam o poder, superiorizando -se à administração pública, repartido em três momentos distintos, primeiro momento a especialização das competências dos funcionários, em finais do século XV; segundo momento a criação de conselhos e tribunais, século XVI, e por ultimo a reforma das instituições existentes, criando outras de competência territorial que viriam a obstaculizar o processo de centralização politica.
Nesta estrutura social a mobilidade ascendente era permissível por várias vias. Pela igreja, com o acesso aos grandes prelados, pretendidos pelas grandes famílias pertencentes à nobreza e ás oligarquias locais, a fim de receberam as elevadas remunerações existentes, estando estas vedadas aos estratos sociais mais baixos. Decorrente destes ofícios eclesiásticos derivava um maior estatuto e capacidade financeira, tendo inerentes vários privilégios deliberados pelo direito canónico, pelo qual se regiam. Aumentando a concorrência ás maiores dioceses e paróquias, das quais advinham seus rendimentos.
A dicotomia referente à instituição do Clero assumia grande pertinácia, na medida em que não tivesse um elevado grau de literacia, não poderia desempenhar correctamente um hipotético ofício eclesiástico. Ocasionando várias práticas sociais por parte dos clérigos nas periferias no mundo rural, alvos de tributos, praticando a venda de géneros em suas casas ou em praça pública com o intuito de minorar a sua miséria. Visto que as principais famílias tendiam a monopolizar os principais lugares nas cidades e nas vilas mais importantes, restando somente os lugares de menor predominância.
No domínio da assistência, distingui as confrarias penitenciais, caritativas, devocionais e de ofícios, praticando a solidariedade. Nomeadamente a Santa Casa da Misericórdia em que a prática caritativa se reflectia no agir social, no património, politica, assistência médica hospitalar, assegurando a manutenção dos órfãos dando lhes maior proeminência, melhorando a sua condição.
Para além da sua actividade cultural a Misericórdia, poderia associar-se à administração local, viso ser um dos maus importantes centros políticos, gerindo avultados capitais. Por isso era alvo da cobiça por parte da coroa e das oligarquias locais, que tentavam influenciar a sua administração, nomeando os seus membros. Indivíduos que transitavam da Misericórdia para a Câmara Municipal, numa continuidade entre as duas administrações, sendo a mesma base de recrutamento. As dissenções aconteciam reflectiam-se no culto e respectiva exteriorização das cerimónias numa concorrência pelo simbolismo do poder.
No que diz respeito à Ordem de Santiago, descrevi as funções correspondentes a cada cargo, a saber Mestre, Prior – Mor, Capelães e Beneficiados, procurando visualizar a totalidade das suas acções, resultando dai a sua actividade. Utilizei como fonte a normativa e a prática construída por Isabel Barbosa, onde vigora o regimento de D. Jorge, baseado a partir do modelo castelhano, a partir do qual descrevi os órgãos colegiais do Ordem, como o Capitulo Geral, Partícula e Doméstico. O Capitulo Geral simbolizava a maior reunião de toda a Ordem em matérias de administração nos campos material e espiritual. Capitulo Particular, realizado num só dia caso o Mestre o requeresse, em que eram expostos os assuntos após a leitura. Por ultimo o Capitulo Doméstico, em que os hipotéticos freires seriam apresentados ao Prior – Mor e ao Mestre, onde seriam informados das alterações que as suas vidas iriam sofrer, aquando a sua profissão.
Procurei associar a nomenclatura social à transição de uma sociedade de Ordens para a de Estados, com o surgir de uma nova economia acoplada a novos privilégios e estatutos. Onde estava maior complexidade da burocracia e um alargamento da noção da nobreza. Por nobreza entendi a natural a politica e a local. Nobreza natural, originária da manutenção da ordem societária, não hereditária mas sim generativa, consequência do poder e da dignidade conferida ao desempenho de determinadas funções. Nobreza politica, tinha por génese o direito civil, patente nos casos dos bacharéis, licenciados e doutores em teologia, direito, medicina, e matemática, provenientes das universidades de Lisboa e de Coimbra, corporizando os quadros da Res pública. Nobreza de província, resultante da administração colonial, em que a riqueza era o objectivo a alcançar, fruto da sua função e das rendas obtidas pela prática de comércio nos territórios conquistados.
E aqui refiro as medidas implementadas por D. Afonso V, no sentido de reestruturar a nobreza e construir a máquina estadual com o novo surto expansionista, em matérias referentes à justiça, guerra, e fazenda pública.
Seguindo-se o Terceiro Estado, arrolado em legistas que pretendiam alcançar a nobreza mediante casamentos; constituíam o funcionalismo público sendo a sua remuneração dada pela coroa, que os nomeava e avaliava no exercício das suas funções. Cidadãos ou homens – bons, ocupavam os cargos municipais, investiam os seus lucros na compra de terras.
Minoria judaica, administrada por um representante máximo nomeado pelo rei (arrabi- mor), tal como o resta da sociedade encontrava-se dividida pelo privilégio e a riqueza, aos quais eram aplicados a distinção social. Nela assumiam maior importância os cortesãos, cujo o grau de proximidade com o rei, nobreza seria maior, nomeadamente os mercadores – banqueiros, dedicados ao comércio local e regional, mantendo uma economia aberta. A atitude régia manter-se-ia dúbia, ora favorecendo-os ora reprimindo-os, exemplo a politica integracionista, que D. Manuel intentou visando a união religiosa da toda a península ibérica, da qual ocorreu a designação cristão – novo. Politica que se revelara infrutífera porque na realidade os cristãos – novos continuaram a ser estigmatizados pelos cristãos – velhos, num anti judaísmo crescente.
Correspondente ao exercício do poder em sentido amplo, vemos o oficialato ser distribuído em três administrações, central, territorial e local em função da sua proximidade com o poder. Tendo como princípio subjacente a oposição entre cultura escrita e cultura oral, patentes na existência de diferentes sistemas de justiça na sociedade moderna portuguesa. Distingui um sistema local emanado das comunidades naturais correspondentes aos pequenos territórios jurisdicionais; um sistema local concelhio que se demarcava deste pelo uso da escrita e por fim a administração central corporizada nos seus delegados nos municípios, contribuindo para o equilíbrio de todos estes elementos.
Equilíbrio que muitas das vezes não se verificava com a contestação por parte dos concelhos, afirmando que a coroa os prejudicava, influenciando a constituição das suas pautas, por parte dos corregedores, elementos exógenos ás oligarquias, exercendo suas funções a nível politico e judicial (verificando o índice de criminalidade expressos em feitos de morte, aleivosia, traição, sodomia, moeda falsa e heresia), confirmando as posturas, superintendendo a comarca com a tutela do oficialato. Justiça que a no concelho era aplicada pelos juízes concelhios com jurisdição local, sendo as suas ordens determinadas pelos magistrados régios ou senhoriais.
A autonomia concelhia provinha da concepção corporativa da sociedade pautada pela ideia de deferentes jurisdições conforme os corpos sociais. Como também pela escassez de meios humanos, necessários à manutenção do domino da coroa, em todo o reino.

Bibliografia

Obras de referencia

Dicionário de História de Portugal, 7 volms., Porto, Livraria Figueirinhas, 1972.
Dicionário de História Religiosa de Portugal, 4volms., Lisboa, Circulo de leitores/Centro de estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2000.
Enciclopédia Luso – Brasileira da Cultura, 28 volms., Lisboa, Editorial Verbo, 1994.

Estudos

BARBOSA, Isabel Maria de Carvalho Lago, «A Ordem de Santiago em Portugal nos Finais da idade Média (normativa e prática) in Militarium Ordinum Analecta. As As Ordens de Cristo e de Santiago no inicio da Época Moderna: A normativa, dir Luís Adão da Fonseca, redacção Franco Angiolini, Pedro Garcia Martins e Maria Cristina Pimenta, Porto, Fundação Engenheiro António de Almeida, 1998.
CAETANO, Marcelo, História do Direito Português, Lisboa, Verbo, 1981
MONTEIRO, Nuno Gonçalo, História dos Municípios E do Poder Local. Dos Finais da Idade Média Á União Europeia, Lisboa, Circulo de Leitores, 1995.
HESPANHA, António Manuel, História das Instituições. Épocas Medieval e Moderna, Coimbra, Almedina, 1982.
- As Vésperas do Leviathan. Instituições e poder politico em Portugal. Século XVII, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1986.
MARQUES, A H: de Oliveira e SERRÃO, Joel, Nova História de Portugal, volms. IV – VII, Lisboa, Editorial Presença, 1985.
- História de Portugal, 3 volms., Lisboa, Editorial Presença, 1997.
MEDINA, João, História de Portugal, 15 volms., Amadora, Ediclube, 1995.
MATTOSO, José, História de Portugal, 8 volms., Lisboa, Circulo de Leitores, 1993.
NOGUEIRA, António de Vasconcelos, Capitalismo e Judaísmo. Contribuição dos Judeus Portugueses para a Ética Capitalista, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2004.
PEREIRA, Maria Teresa Lopes, Alcácer na Idade média, Lisboa, Colibri, 2000.
PEREIRA, João Cordeiro, Portugal na Era de Quinhentos: Estudos Vários, Cascais, Patrimónia Histórica, 2001.
PIMENTA, Maria Cristina Gomes, As Ordens de Avis e de Santiago na Baixa idade Média. O Governo de D.Jorge. Palmela, Câmara Municipal de Palmela/Gabinete de Estudos sobre a ordem de Santiago, 2002.
SÁ, Isabel dos Guimarães, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel I a Pombal, Lisboa, Livros Horizonte, 2001.
SARAIVA, José Hermano, Historia de Portugal, 3volms., Publicações Alfa, 1983.
Dicionário de História de Portugal, 7 volms., Porto, Livraria Figueirinhas, 1972.
MARQUES, A H: de Oliveira e SERRÃO, Joel, Nova História de Portugal, volms. IV – VII, Lisboa, Editorial Presença, 1985.
- História de Portugal, 3 volms., Lisboa, Editorial Presença, 1997.
MEDINA, João, História de Portugal, 15 volms., Amadora, Ediclube, 1995.
MATTOSO, José, História de Portugal, 8 volms., Lisboa, Circulo de Leitores, 1993.
PEREIRA, Maria Teresa Lopes, Alcácer na Idade média, Lisboa, Colibri, 2000.
______________________________________________
[1] Vide, «Sociedade» in Enciclopédia Luso – Brasileira da Cultura, vol 17, Lisboa, Editorial Verbo, 1994, colns 411 – 412.
[2] Vide, Jorge Borges de Macedo, «Absolutismo» in Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, vol 1, p. 8.
[3] Vide, Jorge Borges de Macedo, op. cit, p. 9.
[4] Idem, ibidem, p. 9.
[5] Vide, António Manuel Hespanha, História das Instituições. Época Medieval e Moderna, pp. 204 – 220.
[6] Idem, ibidem, pp. 204 – 220.
[7] Vide, José Manuel Subtil, «A administração central da coroa» in História de Portugal, direcção de José Mattoso , vol 3 – No Alvorecer da Modernidade ( 1480 – 1620 ), pp. 78 – 80 .
[8] Idem., ibidem, pp. 79 – 80.
[9] Vide, António Manuel Hespanha, História de PortugalModerno. Politico e Institucional, pp. 127 – 129.
[10] Vide, «Igreja e Culto» in Nova História de Portugal, direcção de A. H. Oliveira Marques e Joel Serrão, vol IV – Portugal na Crise dos séculos XIV e XV, pp. 369 – 371.
[11] Vide, José Damião Rodrigues, «A estrutura Social» in Nova História de Portugal, direcção de A. H. de Oliveira Marques e Joel Serrão, vol. VII, pp. 413 – 422.
[12] Vide, Avelino de Jesus Costa, «Cabido» in Dicionário de História de Portugal, direcção de Joel Serrão, pp. 4 0 – 412.
[13] Vide, José Damião Rodrigues «A estrutura Social» in Nova História de Portugal, direcção de A.H. Oliveira Marques e Joel Serrão, vol VII, pp. 416 – 419.
[14] Vide, Ana Maria S. A. Rodrigues, «Colegiadas» in Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos Moreira da Azevedo, vol 1, pp. 309 – 402.
[15] Vide, Pedro Penteado, «Confrarias» in Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos Moreira de Azevedo, vol 1, pp. 459 – 465.
[16] Vide, Fernando da Silva Correia, «Misericórdias», in Dicionário da História de Portugal, direcção de Joel Serrão, vol IV, pp. 312 – 315.
[17] Vide, Isabel dos Guimarães Sá, As Misericórdias Portuguesas de D. Manuel a Pombal, pp. 39 – 57.
[18] Vide Isabel dos Guimarães Sá, «A Assistência: As Misericórdias e os poderes Locais» in História dos Municípios e do Poder local. Dos Finais da Idade Média À União Europeia, direcção de César Oliveira, pp. 136 – 142.
[19] Vide, Maria Cristina Gomes Pimenta, As Ordens de Avis e de Santiago na baixa idade média. O governo de D. Jorge, pp. 31 – 36.
[20] Vide Isabel Maria de Carvalho lago Barbosa, «A ordem de Santiago em Portugal nos finais da Idade Média (Normativa e prática)» in Militarium Ordinum Analecta . As ordens de Cristo e de Santiago no Inicio da Época Moderna: A normativa, pp. 115 – 120.
[21] Vide, Maria Teresa Lopes Pereira, Alcácer na idade Média, pp. 206 – 226.
[22] Vide, Armindo de Sousa, «A sociabilidade (Estruturas, grupos e motivações)», in História de Portugal, direcção de José Mattoso, vol 2 – A Monarquia Feudal (1096- 1480), pp. 392 – 404.
[23] Vide, António Manuel Hespanha, História de Portugal Moderno. Politico e Institucional, pp. 42 – 44.
[24] Vide, António Manuel Hespanha, As Vésperas do Leviathan . Instituições e poder politico. Portugal no século XVII, pp.461 – 467.
[25] Vide, Maria de Fátima Coelho, «A evolução social entre 1481 e 1640» in História de Portugal, direcção de José Hermano Saraiva, vol 2, pp. 581 – 582.
[26] Vide, João Cordeiro Pereira, Portugal na Era de Quinhentos: Estudos vários, pp. 315 – 318.
[27] Vide, António Manuel Hespanha, História de Portugal Moderno. Politico e Institucional, pp. 216 – 220
[28] Vide, A.H. de Oliveira Marques, História de Portugal, vol I – Das Origens ao Renascimento, pp. 299- 302.
[29] Vide, Maria José Pimenta Ferro Tavares, «A questão judaica dos Judeus portugueses (Século XV – XX)», in História de Portugal, Direcção de João Medina, vol 6, pp. 9 -16.
[30] Vide, António de Vasconcelos Sousa, Capitalismo e Judaísmo. Contribuição dos Judeus Portugueses para a ética capitalista, pp. 43 – 46.
[31] Vide, Maria José de Ferro Tavares, «Cristãos – Novos) in Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos Moreira Azevedo, vol 3, pp. 29 – 31.
[32] Vide Marcelo Caetano, História do Direito Português, p. 492.
[33] Vide, Nuno Gonçalo Monteiro «As Administrações Camarárias e as Populações» in História dos Municípios E do Poder Local. Dos Finais Da Idade Média À União Europeia, dirigida por César de Oliveira, pp. 127 – 136.

0 comentários: