segunda-feira, novembro 27, 2006

Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: 2º Série, IV e Ultima Parte



Algures no estuário do rio Sado
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Jornal nº 222, de 30 de Outubro de 1910

O´rosa não queiras
Viver nos quintaes,
Aqui no meu peito
´Inda brilhas mais.


Para me tornares
Um rapaz perfeito,
´Inda brilhas mais
Aqui no meu peito.


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Jornal nº 223, de 6 de Novembro de 1910

Ateima teimoso
Tens bem que ateimar,
Tua teima ávante
Não has de levar.


Embora teimoso
E mito embirrante,
Não has de levar
Tua teima ávante.


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Jornal nº 224, de 13 de Novembro de 1910

A paixão d´amores
Não mata mas moe,
O meu coração
De leal se doe.


Porque espero amor
A nossa união,
De leal se doe
O meu coração.


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Jornal nº 225, de 20 de Novembro de 1910

O´moças, ó moças
Cá da minha aldeia,
Não queiram andar
Commigo em garreira.


Porque eu só assim
As posso estimar,
Commigo em garreira
Não queiram andar.


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Jornal nº 226, de 27 de Novembro de 1910

Anda meu amor
Anda vem dançar,
Inda é muito cedo
Para te ires deitar.


Vem dançar commigo
E não tenhas medo,
Que p´ra te ires deitar
Inda é muito cedo.


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Jornal nº 227, de 4 de Dezembro de 1910

O´olhos azues
Que já foram meus,
Agora são d´outros
Paciencia, adeus.


Olhos que parecem
De fogazes pôtros,
Paciencia, adeus,
Agora são d´outros.


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Jornal nº 228, de 11 de Dezembro de 1910

Quem quizer ser homem
Vá p´r´as Amoreiras,
Que lá não se dormem
As noites inteiras.


Vae p´ra lá meu bem
Apprende a ser homem,
As noites inteiras
Que lá não se dormem.


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Jornal nº 229, de 18 de Dezembro de 1910

O meu bem me disse
Hontem no jardim,
Querida adorada
Não chores por mim.


Forçam-me fazer
Tamanha jornada,
Não chores por mim
Querida adorada.


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Jornal nº 230, de 25 de Dezembro de 1910

Tenho cinco amores
Contigo são seis,
Tenho quatro em Palma
Dois em Valle dos Reis.


Com tantos amores
Se expande minh´alma,
Dois em Valle dos Reis
E quatro em Palma.


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Jornal nº 231, de 1 de Janeiro de 1911

Gosto de cantar
Com quem canta bem,
Gosto de ter graças
Com quem graças tem.


Como me admittam
As minhas chalaças,
Com quem graças tem
Gosto de ter graças.



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Jornal nº 232, de 8 de Janeiro de 1911

Venho de tão longe
P´ra te ouvir cantar,
Essa tua fala
Me foram gabar.


E porque o teu canto
A todos regala,
Me foram gabar
Essa tua fala.


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Jornal nº 233, de 15 de Janeiro de 1911

Maria Paulina
Diz que canta bem,
E´maior a fama
Que a fala que tem.


Não sei p´ra que gabam
Uma tal madama.
Que á fala que tem
E´maior a fama.


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Jornal nº 234, de 22 de Janeiro de 1911

O cantar quer hora
E o bailar maré,
Diga lá menina
Se isto assim não é.


Sei que sempre foi
Boa dançarina,
Se isto assim não é
Diga lá menina.


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Jornal nº 235, de 29 de Janeiro de 1911

O meu bem é lindo
Não pode ser mais,
Só basta não ter
No rosto signaes.


E p´ra sua cara
Mais bonita ser,
No rosto signaes
Só basta não ter.


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Jornal nº 236, de 5 de Fevereiro de 1911

Aquella menina
Do lenço encarnado,
Já me perguntou
Se eu era casado.


Não sei se a pequena
Commigo engraçou,
Se eu era casado
Já me perguntou.


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Jornal nº 237, de 12 de Fevereiro de 1911

Aquella menina
Do lencinho branco,
Já me perguntou
Se eu era do campo.


Que int´resse terá
De saber quem sou,
Se eu era do campo
Já me perguntou.


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Jornal nº 238, de 19 de Fevereiro de 1911

Querida Maria
O teu pae é meu,
Minha mºae é tua
Teu amor sou eu


Pois que nos casamos
Em noite de lua,
Teu amor sou eu
Minha mãe é tua.


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Jornal nº 239, de 26 de Fevereiro de 1911

Amor se não era
Da tua vontade,
Para eu me deste
Tanta liberdade.


P´ra que me censuras
Se assim o quizeste;
Tanta liberdade
Para que me deste?


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Jornal nº 240, de 5 de Março de 1911

O´meu lindo amor
Despacha, despacha,
Não te posso vêr
De cbeça baixa.


Pois tal posição
Faz aborrecer,
De cabeça baixa
Não te posso vêr.


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Jornal nº 241, de 12 de Março de 1911

O´meu lindo amor
Despacha que é tempo,
Eu não estou guardada
P´ra nenhum convento.


Se não fosses tu
Já estava casada,
P´ra nenhum convento
Eu não estou guardada.

Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro nunes: 2ª Série, III Parte

Estuário do rio Sado. Ao fundo a serra da Arrábida, na zona do Risco.

Algures a norte de Alcácer, na zona do estuário do rio Sado.
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Jornal nº 206, de 10 de Julho de 1910

Cautella Maria
Co´os teus palavrões,
Que a gente vê caras
Sem vêr corações!


Vê bem com quem falas,
Pois tu não reparas
Bem vêr corações
Que a gente vê caras?!


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Jornal nº 207, de 17 de Julho de 1910

Meu bem anda triste
Anda imaginario,
Eu bem o conheço
Pelo seu duario.


Parece-me que eu
Tambem lhe aborreço
Pelo seu duario
Eu bem o conheço.


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Jornal nº 208, de 24 de Julho de 1910

Amores, amores,
Como eu tenho tido,
Se agora os não tenho
Teem-me morrido.


Por lindos amores
Sempre eu fiz empenho,
Teem-me morrido
Se agora os não tenho.


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Jornal nº 210, de 7 de Agosto de 1910

Não chores amor
Que eu não vou morrer,
Dá graças a Deus
Qu´inda me has de vêr.


Vou servir o rei
Por peccados meus,
Qu´inda me has de vêr
Dá graças a Deus.


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Jornal nº 211, de 14 de Agosto de 1910

Não chores amor
Que a desgraça é minha,
Isto são dois annos
Que eu sirvo a rainha.


Obrigam-me a ir
Servir os tyrannos,
Que eu sirvo a rainha
Isto são dois annos.


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Jornal nº 212, de 21 de Agosto de 1910

Eu não sei cantar
Nem armar cantigas,
Todos os meus enlevos
São as raparigas.


Quando ellas se enfeitam
Com cheirosos trevos,
São as raparigas…
Todos os meus enlevos.


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Jornal nº 213, de 28 de Agosto de 1910

Se eu quizesse amores
Tinha mais d´um moio,
Se tenho só um
E´trigo sem joio.


E não desejando
De ter mais nenhum,
E´trigo sem joio
Se tenho só um.


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Jornal nº 214, de 4 de Setembro de 1910

Se eu quizesse amores
Tinha mais d´um cento,
E´pão bolorento.


Até já com elle
Me não entretenho,
E´pão bolorento
Esse qu´inda tenho.


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Jornal nº 215, de 11 de Setembro de 1910

Lindo amor eu tenho
Sezões a morrer,
Suppõe o valor
Que eu poderei ter.


Sem te vêr meu bem
Soffro tanta dôr,
Que eu poderei ter
Suppõe o valor.


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Jornal nº 216, de 18 de Setembro de 1910

O´juizo vario
Vareia, vareia.
Não posso ser firme
A quem me falseia.


Se amar quem é falso
E´um grande crime,
A quem me falseia
Não posso ser firme.



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Jornal nº 217, de 25 de Setembro de 1910

O Anna, ó Anna,
Quem cahiu, cahiu,
Levanta-te ó Anna
Que ninguem te viu.


Pareces a ser
Muito leviana,
Que ninguem te viu
Levanta-te ó Anna.


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Jornal nº 218, de 2 de Outubro de 1910

E´um gosto ouvir
Nas manhãs d´Abril,
Chiar os carrinhos
De Banagazil (1)


Há quem se aborreça
D´ouvir p´los caminhos,
De Banagazil
Chiar os carrinhos.

1 - Grande herdade na margem sul, do alto Sado,
da qual teem fama os seus grandes palheiros e a chiada dos seus carros.


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Jornal nº 219, de 9 de Outubro de 1910

Já não há quem queira
Ganhar um vintem,
Ir à outra banda
Chamar o meu bem.


Esse que quer vae
E o que não quer manda,
Chamar o meu bem
Ir á outra banda.


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Jornal nº 220, de 16 de Outubro de 1910

Eu ouvi tocar
A campa no adro,
Abalei, fui vêr
Meu bem sepultado.


Com muito desgosto
E nenhum prazer,
Meu bem sepultado,
Abalei, fui vêr.



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Jornal nº 221, de 23 de Outubro de 1910

Se te dei palavra
Agora não quero,
Palavras não são
Correntes de ferro.


Se a palavra d´honra
Tem acceitação,
Correntes de ferro
Palavras não são.

Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: 2ª Série, II Parte

Teatrinho de Santa Susana. Alcácer

Igreja de Santa Susana. Alcácer

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Jornal nº 188, de 6 de Março de 1910

Moças não se enlevem
Nos homens de c´rôa,
Pois é um peccado
Que Deus não perdoa…


Nem devem olhar
P´ra quem é prelado,
Que Deus não perdoa
Pois é um pecado.


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Jornal nº 189, de 13 de Março de 1910

Dizem que não há
Na terra «pardaes»,
De bico amarello
Cada vez há mais.


D´esses «passarinhos»
Ali p´r´o castello,
Cada vez há mais
De bico amarello.


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Jornal nº 190, de 20 de Março de 1910

Quem quizer ouvir
Cantar o grazina,
Vá domingo á missa
A Santa Cath´rina…


Levante-se cedo
Não tenha preguiça,
A Santa Cath´rina
Vá domingo á missa.


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Jornal nº 191, de 27 de Março de 1910

Quem quizer vêr gente
Da côr do carvão,
Vá dar um passeio
Até S. Romão.


Vêja o nosso Sado
Não tenha arreceio,
Até S. Romão
Vá dar um passeio.


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Jornal nº 192, de 3 de Abril de 1910

Quem quizer ouvir
Cantar minha mana,
Vá vêr uma festa
A Santa Susana.


Quem santos adora
E attenção lhe presta,
A Santa Susana,
Vá vêr uma festa.


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Jornal nº 193, de 10 de Abril de 1910

Estes namorados
Agora de novo,
Querem pôr peneiras
Nos olhos do povo.


Para lhe não vêrem
As suas asneiras,
Nos olhos ao povo
Querem pôr peneiras.


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Jornal nº 194, de 17 de Abril de 1910

Se quizeres saber
Pergunta meu bem,
O mar de fundura
Quantas braças tem.


Como és curioso
Meu amor procura,
Quantas braças tem
O mar de fundura.


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Jornal nº 195, de 24 de Abril de 1910

Vae-te embora amor
Desculpa mandar-te,
Só Deus sabe a pena
Que eu tenho em deixar-te!


Um vilão maldito
A tal nos condemna.
Que eu tenho em deixar-te
Só Deus sabe a pena1…


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Jornal nº 196, de 1 de Maio de 1910

Eu não venho aqui
P´ra ganhar a palma.
Vim só p´ra te vêr
Amor da minh´alma!


Há quem se admire
D´eu aqui vir ter.
Amor da minh´alma
Vim só p´ra te vêr!


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Jornal nº 197, de 8 de Maio de 1910

Já não tenho amores
Já não tenho nada,
P´ra mim se acabou
Tudo de pancada.


´Té já como os velhos
A um canto estou,
Tudo de pancada
P´ra mim se acabou.


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Jornal nº 198, de 15 de Maio de 1910

Amor se te fores
Has de me levar,
Na tua companha
E´que quero andar.


Só porque te tenho
Affeição tamanha,
E´que quero andar
Na tua companha.


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Jornal nº 199, de 22de Maio de 1910

Meu bem se te fôres
Leva-me tambem,
Em tua companha
Eu vou muito bem.


Embora me leves
Para terra extranha,
Eu vou muito bem
Em tua companha.


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Jornal nº 200, de 29 de Maio de 1910

Mana Claudina
Que tens que não cantas?
Onde estão senhoras
Não se adoram santas.


Muito embora ellas
Sejam seductoras,
Não se adoram santas
Onde estão senhoras.


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Jornal nº 201, de 5 de Junho de 1910

Eu tenho-te dito
Tu tens teimado,
Agora é que temos
O caldo entornado.


Como há muitos annos
Que nos conhecemos,
O caldo ntornado
Agora é que temos.


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Jornal nº 202, de 12 de Junho de 1910

Tenho o coração
No peito afflicto,
E´de tanta coisa
Que me teem dito.


Se este passarinho
Já não cae em loisa,
Que me teem dito
E´de tanta coisa.


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Jornal nº 203, de 19 de Junho de 1910

Não tenho alegria
Se não em te vendo,
Cada vez mais lindo
Me estás parecedo.


Para mim amor
E´s sempre bemvindo,
Me estás parecendo
Cada vez mais lindo.


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Jornal nº 204, de 24 de Junho de 1910

Cantem moças, cantem,
Cantam todas juntas,
Quem sabe p´r´o anno
As que são defunctas?!


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Jornal nº 205, de 3 de Julho de 1910

Quando eu não tinha
Contractos comtigo,
Vivia contente
E livre de p´rigo…


Andava bem visto
Pela fina gente,
E livre de p´rigo
Vivia contente.

Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: 2ª Série, I Parte

Igreja de Santiago. Uma das joias do património Alcacerense.

Zona ribeirinha junto ao rio Sado em Alcácer
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Jornal nº 167, de 10 de Outubro de 1909

Amores, amores
Como eu tenho tido
«Agora já» não
Teem-me morrido.


Amores eu tive
Mais d´um quarteirão
Teem-me morrido
«Agora já» não.


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Jornal nº 168, de 17 de Outubro de 1909

Vae-te embora amor,
Desculpa mandar-te…
Sabe Deus apena
Que tenho em deixar-te.


Enormes castigos
O destino ordena,
«Que tenho em deixar-te»
«Sabe Deus a pena»


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Jornal nº 169, de 24 de Outubro de 1909

N´outro tempo amor
Que te não amava,
Lograva saude
Pouco me ralava.


S´isto não é certo
Deus me ajude,
Pouco me ralava
Lograva saude.


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Jornal nº 170, de 31 de Outubro de 1909

Oliveira secca
Quem te varejou,
Nem uma raminha
Sequer te deixou.


Quem tão mal te fez
Foi alma damninha,
Sequer te deixou
Nem uma raminha.


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Jornal nº 173, de 21 de Novembro de 1909

Eu sou oliveira
Sou oliveirinha,
Creada e nascida
Na «Enxarraminha»


No Sado formoso
Passo minha vida,
Na «Enxarraminha»
Creada e nascida


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Jornal nº 174, de 28 de Novembro de 1909

Ateima teimoso
Tens bem que ateimar,
Eu sou ferro frio
Que é mau de dobrar.


Talvez não triumphes
N´este desafio,
Que é mau de dobrar.
Eu sou ferro frio.


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Jornal nº 175, de 5 de Dezembro de 1909

Ainda que cuide
De levar pancadas,
Eu hei de seguir
As tuas passadas…


Embora p´ra longe
Tu queiras partir,
As tuas passadas
Eu hei de seguir!


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Jornal nº 176, de 17 de Dezembro de 1909

A tua abalada
Para mim foi boa,
Já cá ´stou virada
P´ra outra pessoa.


Nunca mais serei
Tua namorada,
P´ra outra pessoa
Já cá ´stou virada.


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Jornal nº 177, de 19 de Dezembro de 1909

Eu não sei mal
Que te tenho feito,
Para mim não tens
O olhar com geito!


Sempre carrancudo
P´ra meu lado vens,
E o olhar com geito
Para mim não tens!


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Jornal nº 179, de 1 de Janeiro de 1910

O morte tyranna
Porque me não levas?
Não tenho ninguem
Sou filho das hervas…


Se ella me levasse
P´ra mim era um bem,
Sou filho das ervas
Não tenho ninguem…


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Jornal nº 180, de 9 de Janeiro de 1910

Oliveira secca
Quem tevarejou?
Nem uma raminha
Sequer te deixou.


Para te despir
A gente damninha,
Sequer te deixou
Nem uma raminha.


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Jornal nº 181, de 16 de Janeiro de 1910

Adeus oliveiras
Adeus olivaes,
Adeus meu amor
Não vos vêjo mais.


Eu bem sei que morro
De paixão e dôr,
Não vos vêjo mais
Adeus meu amor!


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Jornal nº 182, de 23 de Janeiro de 1910

A paixão d´amores
Mata muita gente,
A mim não me mata
Andando eu doente.


Só o que faz falta
A morte arrebata,
Andando eu doente
A mim não me mata.


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Jornal nº 183, de 30 de Janeiro de 1910

Se a morte viesse
E ella me levasse,
Não tinha ninguem
Que por mim chorasse.


A não seres tu
Oh! Meu lindo bem,
Que por mim chorasse
Não tinha ninguem.

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Jornal nº 185, de 13 de Fevereiro de 1910

O´meu lindo amor
Despacha, despacha,
Não te posso vêr
De cabeça baixa.


A tua attitude
Me faz esmor´cer,
De cabeça baixa
Não te posso vêr.


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Jornal nº 186, de 20 de Fevereiro de 1910

Se tu me não amas
Maria meu bem,
Vou assentar praça
Não olho a ninguem.


Sendo tu a causa
Da minha desgraça,
Não olho a ninguem
Vou assentar praça.


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Jornal nº 187, de 27 de Fevereiro de 1910

Tens os olhos pretos
Como o cezirão,
Namora-te agora
Bella occasião!...


Que lindo zaga!
Ao pé de ti móra,
Bella occasião
Namora-te agora!...

sábado, novembro 25, 2006

Cancioneiro do Sado: Um ponto de situação

Inicio do estuário do rio Sado, no Bugio. Local com fornos de ânforas do periodo romano e que depois foi habitado em contexto contemporâneo até ao século passado.Ao longe é visível o braço do estuário que se desenvolve até à povoação de Alberge.

Como já tivemos ocasião de referir, demos por concluida a primeira série de recolhas do Cancioneiro do Sado, tendo como base os dois volumes encadernados do Jornal Pedro Nunes, existente na biblioteca municipal.Graças ao trabalho já efectuado pelos nossos colegas da biblioteca que importa referir e valorizar, foi efectuada uma recolha exaustiva de poesia que vai até 1910. Com base nessa recolha é possível dar inicio à segunda fase deste Cancioneiro. É importante que os estudiosos, curiosos e apaixonados pela história do nosso concelho, possam frequentar mais vezes a biblioteca e o arquivo municipal, porque ambos encerram um património documental muito importante, à espera de ser estudado e divulgado. Existem preciosidades no arquivo municipal que em devido tempo iremos dar conta, mas esse mundo documental tambem está à vossa espera.

Em relação à primeira série de recolhas, em sintese podemos referir que efectuamos uma recolha de 78 poemas que disponiblizamos online neste blog. A grande maioria desta poesia popular, podemos inserir no grupo da Poesia de Amor. Ela transmite-nos os anseios de uma comunidade de jovens apaixonados, que lutam contra os condicionalismos sociais da época, sofrem em silencio pela ausencia do bem amado e lutam contra a vontade contrária dos pais da jovem. Outra poesia, num registo mais escasso, pode ser inserida na critica social algo irónica.
Estamos curiosos em saber o que iremos descobrir nesta segunda série de poesia do nosso Cancioneiro, que está a contribuir para a renovação da visão que temos sobre o passado recente da nossa região.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: VI Parte e Conclusão


Santuário de Santa Maria dos Mártires, actualmente denominado Senhor dos Mártires. Panteão de alguns Mestres da Ordem de Santiago.

Damos por concluida esta fase de recolha de poesia de raiz popular, cantada pela gente anónima da nossa região de Alcácer, tal como foi publicada pelo Jornal Pedro Nunes, no início do século passado. Tivemos como base de análise, os dois volumes encadernados que se encontram à guarda da Biblioteca Municipal de Alcácer. Na eventualidade de encontrar outros numeros deste jornal, daremos inicio a uma segunda série de recolhas. Aguardamos os vossos comentários, ou a indicação da existencia de outros Cancioneiros e poesia deste Sado Alcacerense, onde nos recantos deste rio, na charneca e montado, nos montes, no silencio da intimidade, brota uma poesia cheia de sabedoria e anseios, numa forma especial de viver...que só nos sabemos...
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Jornal nº 139, 28 de Março de 1909

Amor não me´screvas,
Cartas em latim,
Que eu não as sei ler.
São paixões p´ra mim.


Se das mesmas cartas
Teimas em ´screver,
São paixões p ´ra mim
Que eu não as sei ler.


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Jornal nº 140, 4 de Abril de 1909

Minha q´rida mãe
Tudo sei fazer
Menos namorar
Eu hei de aprender.


O pouco que falta
P´ra poder casar
Eu hei de aprender
Menos namorar.


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Jornal nº 141, 11 de Abril de 1909

Gosto de cantar
Com quem canta bem,
Gosto de ter graças
Com quem graças tem.


P´ra que acceites sejam
As minhas chalaças,
Com quem graças tem
Gosto de ter graças.


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Jornal nº 142, 18 de Abril de 1909

Menina de luto
Seu pae lhe morreu,
Já não vale tanto…
Como já valeu!


Embora a menina
Se desfaça em pranto,
Como já valeu…
Já não vale tanto.


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Jornal nº 143, 25 de Abril de 1909

DESCANTE

Elle

O´minha menina
Viva descançada,
Da sua belleza
Não pretendo nada.


Se quer que lhe fale
Com toda a franqueza,
Não pretendo nada
Da sua belleza.


ELLA

Nobre cavalheiro,
A minha belleza
Que o não enfeitiça
Eu tenho a certeza.


Até a menina
Que agora derriça,
Eu tenho a certeza
Que o não enfeitiça.


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Jornal nº 144, 2 de Maio de 1909

Assim não me custa
Subir a ladeira,
Somente receio
Que o teu pae não queira.


Meu bem p´ra te ver
Descobri o meio,
Que o teu pae não queira
Somente receio.


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Jornal nº 145, 9de Maio de 1909

Amor não me escrevas
Que me mata mais,
Cartas são papeis
Lettras são signaes.


Pois já me aborrecem
Os seus aranzeis,
Lettras são signaes
Cartas são papeis.


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Jornal nº 146, 16 de Maio de 1909

Tenho ódio aos pães
Da minha adorada,
Pois me dão a filha
Por mal empregada.


Malditos que lêem
P´la mesma cartilha.
Por mal empregada
Não lhes quero a filha.


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Jornal nº 147, 23 de Maio de 1909

Não vejo o meu bem
Senão ao domingo,
Em toda a semana
Em chorar me vingo.


Somente em pensar
Que elle me engana,
Em chorar me vingo
Em toda a semana.


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Jornal nº 148, 30 de Maio de 1909

Anda cá meu bem
Anda cá, vem ver,
Amorinhos novos
Qu´eu ´stou para ter!


Vê lá se me arranjas
Uma assorda d´ovos,
Qu´eu s´tou para ter
Amorinhos novos.


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Jornal nº 149, 6 de Junho de 1909

O meu coração
A tudo se anima,
Recebe desfeitas
De quem mai estima


Em tudo consente
Nunca tem suspeitas,
De quem mais estima
Recebe desfeitas.


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Jornal nº 150, 13 de Junho de 1909

O meu coração
Em tudo é valente,
Mesmo com ciúmes
Vive alegremente.


Da vida dos outros
Não toma os costumes,
Vive alegremente
Mesmo com ciúme.


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Jornal nº 152, 27 de Junho de 1909

Adeus oliveiras
Adeus olivaes,
Adeus meu amor
Para nunca mais.


Desculpem se fujo
Como um desertor,
Para nunca mais…
Adeus meu amor.


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Jornal nº 153, 4 de Julho de 1909

O meu lindo amor
Tem bonitas prendas,
Não gosta de vinho
Nem joga nas vendas.


Como elle não há
Tão bom rapazinho,
Não joga nas vendas.
Nem joga nas vendas.


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Jornal nº 154, 11 de Julho de 1909

O´moças não queiram
Amar o meu bem,
Elle ainda não foi
Leal a ninguém.


Pois alem de ter
Força como um boi,
Leal a ninguém
Elle inda não foi.


_____________________________________
Jornal nº 155, 18 de Julho de 1909

Deixa-te estar rosa
Na tua roseira,
Para mal casada
Mais vale solteira.


Para não viveres
Bem acompanhada,
Mais vale solteira
Que mal casada.


_________________________________________
Jornal nº 156, 25 de Julho de 1909

Já não há quem ouça
Cantar um ganhão,
Só lá na lavoura
Tanto á língua dão!


Julgam que a mulher
E´d´elles vassoura,
Tanto á língua dão
Só lá na lavoura!


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Jornal nº 157, 1 de Agosto de 1909

Se fores a Elvas
Vae á piedade,
E´a melhor coisa
Que tem a cidade.


Não deixes de ver
Do meu bem a lousa,
Que tem a cidade
E´a melhor coisa.


_____________________________________
Jornal nº 158, 8 de Agosto de 1909

O´amor, amor,
O´amor vadio,
Já há tanto tempo
Que andas arredio.


Eu tenho soffrido
Muito contratempo,
E tu arredio
Já há tanto tempo.


_______________________________________
Jornal nº 159, 15 de Agosto de 1909

Triste coração
Alegra-te agora,
Aqui tens á vista
Um bem que te adora.


Se do meu amor
Tu andas na pista,
Um bem que te adora
Aqui tens á vista.


________________________________________
Jornal nº 160, 22 de Agosto de 1909

Eu tenho-te dito
Tu tens ateimado,
Agora é que temos
O caldo entornado.


D´essas teimosas
O resto veremos,
O caldo entornado
Agora é que temos.


_______________________________________
Jornal nº 161, 29 de Agosto de 1909

Adeus oliveiras
Adeus olivaes,
Adeus meu amor
Para nunca mais.


Eu sei que te faço
Com isso favor,
Para nunca mais
Adeus meu amor.


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Jornal nº 162, 5 de Setembro de 1909

Amor de viúvo
Amor bandoleiro,
Quanto mais não vale
Um rapaz solteiro.


Em amor p´ra velhos
Meu pae não me fale.
Um rapaz solteiro
Quanto mais não vale.


_____________________________________________
Jornal nº 163, 12 de Setembro de 1909

Estás bem de preto
Senão fosse o dó,
Paciência amor
E´um anno só.


Satisfaz o mundo
Que elle é impostor,
E´um anno só
Paciência amor.


_________________________________________
Jornal nº 164, 19 de Setembro de 1909

Considera amor
Ao depois não digas:
- As mulheres são
Como as raparigas.


Se o amor não é
Sincera paixão,
Como as raparigas
As mulheres são.


_________________________________________
Jornal nº 165, 26 de Setembro de 1909

Eu hei de te amar
Eu hei de te querer,
Sem teu pae sonhar
Sem teu pae saber.


Sempre que poder
Te hei de falar,
Sem teu pae saber
Sem teu pae sonhar.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: V Parte

Vale do Sado a norte de Alcácer

Palmeira na aldeia de Santa Susana, Alcácer do Sal

Capela das 11 000 Virgens. Convento de S. António. Alcácer do Sal


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Jornal nº 126, 27 de Dezembro de 1908

A minha adorada
Já se foi deitar,
Não tinha sapatos
Para vir dançar!


Trazia uns chinellos
Sem solas nem saltos!
Para vir dançar
Não tinha sapatos


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Jornal nº 127, 3 de Janeiro de 1909

Eu subi ao alto
A´meia ladeira,
P´ra ver o meu bem
Que andava na eira!


Ainda depois
Subi mais alem,
Que andava na eira
P´ra ver o meu bem.


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Jornal nº 128, 10 de Janeiro de 1909

O´meu qu´rido amor
Só tu, ninguém mais,
Tiveste a dita
D´ouvir os meus ais.


Alem de não teres
Figura bonita,
D´ouvir os meus ais
Tivestes a dita.


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Jornal nº 129, 17 de Janeiro de 1909

O´meu lindo amor
Só tu, mais ninguém,
Me tira a paixão
Que a minh´alma tem.


De te ver meu bem
E´grande alegrão,
Que a minh´alma tem
E me tira a paixão.


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Jornal nº 130, 24 de Janeiro de 1909

Venho de tão longe
Patinhando poças,
Venho só á fama
De tão lindas moças.


Não disse nem digo
Quem aqui me chama,
De tão lindas moças
Venho só á fama.


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Jornal nº 131, 31 de Janeiro de 1909

Fui ao verde campo
P´ra ver um amigo,
Que encontro tão lindo
Eu tive comtigo.


Ao ver-te meu bem
Alegre e sorrindo,
Eu tive comtigo
Um encontro lindo.


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Jornal nº 132, 7 de Fevereiro de 1909

Toma lá amor
Que te manda a prima,
Um lenço d´abraços
Com beijos em cima.


Acceita meu bem,
Envolve em teus laços,
Com beijos em cima
Um lenço d´abraços.


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Jornal nº 133, 14 de Fevereiro de 1909

Assim pequenina
Como um cascabulho,
Eu sou a que faço
Nos bailes barulho.


Quando o tocador
Não toca a compasso,
Nos bailes barulho
Sou eu que o faço.


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Jornal nº 135, 28 de Fevereiro de 1909

O meu pae não quer
Que eu fale comtigo,
Fazemos-lh´o gosto
Fala tu commigo.


E não há por isso
O menor desgosto,
Fala tu commigo
Fazemos-lh o gosto


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Jornal nº 136, 7 de Março de 1909

A minha rival
E´um escarapão;
Tem nariz de bicha
Testa de Furão.


Arrebita o rabo
Como a lagartixa.
Testa de furão,
E nariz de bicha.


_________________________________________
Jornal nº 137, 14 de Março de 1909

´Inda que meu pae
Na rua te ponha,
Amor finge ter
Cara sem vergonha.


Nunca dês ouvidos,
Ao que elle disser,
Cara sem vergonha
Amor finge ter.


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Jornal nº 138, 21 de Março de 1909

Conta-me o motivo
Da tua paixão,
Pode ser que eu traga
Remédio na mão.


E´d´algum rival
Com certeza praga,
Remédio na mão
Pode ser que eu traga.

O Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: IV Parte

Vale da Marafona/Ribeira de S. martinho e ao longe a Serra de Palma

Fonte tradicional na povoação de Palma/Alcácer do Sal. Encontra-se fora de um vasto recinto de alvenaria, que no século XVI defenia um jardim ao gosto da época.


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Jornal nº 115, 11 de Outubro de 1908

Quando eu não tinha
Desejava ter,
Uma hora no dia.


Meu bem p´ra te ver.
Agora já tenho
Com muita alegria,
Meu bem p´ra te ver
Uma hora no dia.


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Jornal nº 116, 18 de Outubro de 1908

O meu lindo amor
Ficou d´aqui vir,
Deitou-se na cama
Deixou-se dormir.


Como qu´ria ser
Cantador de fama,
Deixou-se dormir
Deitou-se na cama.


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Jornal nº 117, 25 de Outubro de 1908

Cantador de fama
Deita-te a dormir,
Quem te cá mandou
Mais valia vir.


A´s tuas cantigas
Valor nenhum dou,
Mais valia vir
Quem te cá mandou.


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Jornal nº 118, 1 de Novembro de 1908

Se o meu lindo amor
Viesse aqui ter,
Uma missa ás almas
Mandava dizer.


P´ra ver o meu bem
Coberto de palmas,
Mandava dizer
Uma missa às almas.


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Jornal nº 119, 8 de Novembro de 1908

Passas-me pela porta
Uma vez e outra,
E nada me dizes
O´cara marota!


Eu sei que tu gosas
Momentos felizes
O ´cara marota,
E nada me dizes!


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Jornal nº 120, 15 de Novembro de 1908

Mais vale um ganhão
Sem manta nem nada,
Que vale um «dandy»
De bota engraxada.


O´meu lindo amor
Pergunto-te a ti,
De bota engraxada
Que vale um «dandy»?


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Jornal nº 121, 22 de Novembro de 1908

O´moças não queiram
Casar com ganhões, (1)
O seu ganho não chega
P´r´os nossos botões.


Até ao domingo
Nem vão p´ra a adega.
P´r´os nossos botões
O seu ganho não chega!

1 – Creados de lavoura a quem os lavradores do Sado não chegam a pagar 200 réis por dia!...


______________________________________________
Jornal nº 122, 29 de Novembro de 1908

Assenta-te amor
Conchega-te a mim,
N´esta cadeirinha
De pau d´alecrim.


Comtigo assentado
Me julgo rainha
De pau d´alecrim
N´esta cadeirinha.


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Jornal nº 123, 6 de Dezembro de 1908

Assenta-te amor
Aqui a meu lado,
N´esta cadeirinha
De pau encarnado.


Não tenhas receio
Porque é muito minha,
De pau encarnado
Esta cadeirinha.

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Jornal nº 124, 13 de Dezembro de 1908

Minha querida mãe
Tudo sei fazer,
Menos namorar
Nem quero aprender!...


No rol dos honrados
Me vou collocar,
E tudo aprender
Menos namorar.


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Jornal nº 125, 20 de Dezembro de 1908

Vim eu de tão longe
P´ra te ver querida,
Por ti me arrisquei
A perder a vida.


Por muitos caminhos
P´rigosos andei.
A perder a vida
Por ti me arrisquei.

Jornal Pedro Nunes: Uma Poesia Alcacerense escrita em 1876, dedicada a uma jovem de nome Margarida.

Vale da Marafona, Ribeira de S. Martinho nos arredores de Palma/Alcácer do Sal

O poema escolhido encontra-se publicado no nº 124, de Domingo, dia 13 de Dezembro de 1908, página 1.

Poesia Inédita

O Pedro Nunes tem varias vezes falado do …. Alcacerense Jacob Rodrigues, mas parece-nos que ainda não deu uma amostra da sua inspiração, o que hoje faz satisfazendo a natural curiosidade dos seus leitores, com a publicação d´uma poesia pastoril intitulada «A Margarida», escripta quando o poeta contava 23 annos, em Junho de 1876.
Sendo escripta há 30 annos, parece que o foi agora, ao som dos doces gorgeios dos rouxinoes enamorados, que desde o apparecimento dos rosados clarões da aurora até alta noite, soltam na espessura dos silvados em flor, as suas sentidas endeixas amorosas.
Segue a poesia, e deve notar-se que não foi n´este género em que Jacob Rodrigues mais se salientou.



A Margarida

Margarida quando vejo,
Os teus olhos maganões;
Até o meu coração,
Se desfaz em pulsações!


Quando te vejo á janella,
Encostada ao para-peito,
Fico doido só de ver
O teu rosto tão perfeito…


Mal que rompe a madrugada,
Já tu, alegre, cantando,
O teu rebanho acompanhas,
E a tua voz vaes soltando.


E´tão doce a tua voz,
Que o coração faz pulsar!...
Quando cantas bem pareces
Um rouxinol a cantar!


No prado andas alegre,
Até ao findar do dia:
E á noite voltas p´ra casa,
Sempre co´a mesma alegria!


Quando aos domingos tu vestes
A roupinha cor de grão;
Pões o lencinho encarnado,
E o teu lindo cabeção,


Ficas tão bella que até,
(Posso dizer com franqueza)
Aqui p´lo sitio não há,
Quem te egual em gentileza!


Mal que o sino annuncia,
Da missa a hora chegada;
Corres logo p´ra egreja,
Sem te importares de maia nada.


E és tão bella, Margarida,
Quando vaes para a egreja;
Que as outras moças da aldeia,
Até se mordem d´inveja!


E é verdade – cá na aldeia
Não há moçoila, acredita,
Que tenha tão bella voz,
Ou que seja tão bonita!


Ainda tenho o annel,
Que me deste o mez passado;
Eu não o trago no dedo,
Porque o tenho bem guardado.


Mal sabes tu quando o vejo
A alegria que exp´rimento…
Tu o verás Margarida,
No dia do casamento.


Acredita, brevemente,
Hei de comtigo casar;
Se do maldito sorteio,
A fortuna me livrar.


Que o seu prior já me disse:
«Podes estar descançado…
«Que eu cá irei trabalhando,
«P´ra te livrar de soldado».


Por isso quando te vejo,
Da janella ao para-peito;
Fico doido só de ver,
O teu rosto tão perfeito!


Jacob Rodrigues.

Algumas imagens do Jornal Pedro Nunes: Uma Preciosidade à Espera dos Historiadores da Nossa Terra.




O Jornal Pedro Nunes é um mundo a descobrir, que nos falam de pessoas que viviam em Alcácer em finais do século XIX e inícios do século XX. Ao ler as notícias, temos acesso a um tempo diferente do nosso, com os seus valores, com as suas criticas , os seus anseios e como resolviam os vários problemas que existiam. Trata-se de uma fonte fundamental e inconturnável para conhecer facetas ainda desconhecidas da nossa cidade e região envolvente. Cada dia é uma descoberta interessante, contudo é necessário saber fazer "falar" esta documentação. Pela nossa parte vamos dar o nosso modesto contributo cientes das limitações que temos, por ser uma área de investigação específica. Estamos cientes, que esta modesta iniciativa de dar conhecimento irá renovar os estudos que ainda fazem falta sobre a nossa cidade.

quarta-feira, novembro 15, 2006

O Cancioneiro do Sado - Jornal Pedro Nunes: III Parte



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Jornal nº 99, 15 de Junho de 1908

Amor se te fôres
Leva-me também,
Em tua companha
Sempre eu ando bem!...


Embora só coma
Feijão e castanha,
Sempre eu ando bem
Em tua companha!...


____________________________________
Jornal nº 100, 21 de Junho de 1908

O meu bem se foi,
Nem adeus me disse
Nunca tive penas
Que menos sentisse.


Como elle só gosta
De moças morenas,
Que menos sentisse
Nunca tive penas.

_________________________________________
Jornal nº 101, 28 de Junho de 1908

O senhor dos Martyres
Lá da carvalheira,
É o pae dos pretos
D´aquela ribeira.

S´nhor João da Costa
Quem lh´o diz sou eu!...
Se elle é pae dos pretos…
Também elle é seu.


__________________________________
Jornal nº 102, 12 de Julho de 1908

Parece-me amor
Que tu me dizias:
Logo me ´screvias.



Caso te fizessem
Ir ao mel, à serra,
Logo me ´screvias
Em chegando á terra.


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Jornal nº 103, 19 de Julho de 1908

Amor dá-me um ramo
Do teu mangerico,
São obrigações
Que a dever te fico.


Satisfaz-me tu
Minhas petições,
Que a dever te fico
Mil obrigações.


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Jornal nº 104, 26 de Julho de 1908

Andam os rapazes
Dizendo p´la rua:
- Aqui móra a minha,
ali móra a tua.


A minha da tua
Vem a ser visinha.
Ali móra a tua,
Aqui móra a minha.

_____________________________________
Jornal nº 105, 2 de Agosto de 1908

O´Elvas, ó Elvas,
Badajoz á vista.
Já não faz milagres
S. João Baptista.



Para quem navega
No porto de Sagres,
S. João Baptista
Já não faz milagres.

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Jornal nº 106, 9 de Agosto de 1908

Emquanto não tive
Comtigo contractos,
´Stragava de menos
Um par de sapatos.


Antes d´eu gosar
Teus lindos acenos,
Um par de sapatos
´Stragava de menos.



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Jornal nº 107, 16 de Agosto de 1908

Lá em s. Mamede
Já se não diz missa,
Queimaram-se os santos
Que eram de cortiça!


Devastando o fogo
As c´roas e mantos,
Por serem de cortiça
Queimaram-se os santos.


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Jornal nº 108, 23 de Agosto de 1908

Quem quizer fazer
Um ladrão bem feito,
Alevante a fala
Não puxe do peito.


Que as notas lhe saiam
Como por escala,
Não puxe do peito
Alevante a fala.

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Jornal nº 109, 30 de Agosto de 1908

Lá em Valle de Guiso
Não se pode estar,
´Stá lá um prior
Que em todos quer dar.


Já da freguezia
Se julga senhor,
E em todos quer dar
Tão bello prior.



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Jornal nº 110, 6 de Setembro de 1908

O meu amor se foi
A´segunda feira,
Deixou-me saudades
P´r´a semana inteira.


Como foi sósinho
Vêr outras herdades,
P´r´a semana inteira
Deixou-me saudades.

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Jornal nº 111, 13 de Setembro de 1908

Senhor dos Martyres
Meu rico santinho,
Hei de convidal-o
Para meu padrinho.


Quando me casar
Irei adoral-o,
Para meu padrinho
Hei de convidal-o


_________________________________
Jornal nº 112, 20 de Setembro de 1908

Se algum dia fores
A´salvada á missa,
Emprega os teus olhos
N´uma campaniça.


Se quer´s que te tenham
Amisade, aos molhos,
N´uma campaniça
Emprega os teus olhos.


____________________________________
Jornal nº 113, 27 de Setembro de 1908

Já não tenho pae,
Nem mãe, nem ninguém,
Sou um desgraçado
Que´este mundo tem!


Nem tenho parentes
Por quem seja olhado,
Qu´este mundo tem
Mais um desgraçado!


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Jornal nº 114, 4 de Outubro de 1908

Pega na viola
Fal-a retinir,
Meu amor ´stá longe
Fal-o aqui vir.


´Stando em companhia
D´um beato monge
Fal-o aqui vir,
Meu amor ´stá longe.

terça-feira, novembro 14, 2006

O jornal republicano " Democracia " em pleno Reviralhismo.

Miguel Coquilho
Em 31 de Janeiro de 1928 veio à luz o primeiro número do jornal republicano Democracia editado pelo Centro Académico Republicano do Porto. Com periodicidade mensal, a direcção a cargo de Viriato Gonçalves; edição de Macário Dinis e administração de António Filgueiras. Quanto aos redactores destacavam-se Horácio Cunha; Alexandre Pinto; Adolfo Casaes Monteiro; António Vasconcelos de Carvalho; Álvaro Ribeiro; Luís Guedes de Oliveira; Luís Walter Vasconcelos.
Quando se assistia ao clima revoltoso ditado pelo Reviralhismo, postulando o regresso ao regime republicano liberal obliterando a ditadura militar presente com o propósito firme de criar as condições politicas essenciais à recondução do pais à normalidade constitucional, instaurando a Republica democrática, perante a desagregação da base social e politica tradicional que normalmente atribuía o seu apoio ao Republicanismo. Visto ter a plasticidade necessária ao desenvolvimento de todas as reformas a implementar, caracterizada como a mais democrática de todas as formas de regime, a menos cousificada e a maias apta a todos os progressos.
Traçando um quadro retrospectivo do Democracia, é possível constatar que os temas dominantes constitutivos do seu ideário resultavam da defesa dos interesses da inteligência e da Nação, a causa das elites e o seu domínio europeu civilizado e, por fim, o combate ao isolamento das Universidades, para que se tornem sociais e dignas representantes do Espírito. Quem viesse a iniciar os seus estudos, encontrasse ao passar pela Universidade um meio mais lavado e de melhor ar.
O periódico procurou implementar a coesão do meio republicano estudantil, entretanto disperso pela desunião que insistia em imperar por parte dos estudantes republicanos, congregando as energias moças, que andam dispersas, para as interessar mais vivamente pela vida da nação e da República.
Se espacialmente a academia seria o seu principal campo de acção, não se coibiam de ir ao encontro do povo, particularmente dos sectores sociais mais desfavorecidos, o operariado, ao que se juntava noutra vertente o exército e a magistratura, alargando sua base de apoio tendente à instrumentalização dos principais centros urbanos cada vez mais hostis à governação republicana, perante o agravar da sua situação económica.
Com a mobilização do meio intelectual estudantil, o Democracia apela à consciência de cada elemento doutorado, na medida em que este não devia ser apenas senhor de um título, mas senhor de uma consciência social da vida contemporânea. Correspondendo ao esforço económico despendido com os seus estudos, segundo a defesa da liberdade e igualdade de todos os homens.
Atribuindo às elites estudantis a condução de todo este processo, decorrente da luta pela conquista de mais direitos sociais para cada um dos membros do operariado, visando com sua propaganda alargar a sua base de apoio. Posta em prática por um conjunto de medidas desenvolvimentistas da acção politica, traduzidas nas sessões de propaganda nos meios trabalhadores, de forma a exponenciar a cultura, sem a qual não se construiria a verdadeira democracia em Portugal em comparação à Europa. Dando maior amplitude à sua actividade relacionando-a com os meios intelectuais e operário aspirando que futuramente fosse extensível a toda a academia do paìs, constituindo para as gerações futuras, um exemplo claramente a seguir.
De molde a pôr em prática esta politica do ponto de vista ideológico, o Democracia defendia uma sociedade meritocrática a onde os serviços públicos fossem entregues aos cidadãos possuidores de melhor competência técnica e moral, levando a efeito uma critica mordaz ao integralismo, corrente maioritária no Centro Académico Do Porto, advogando que o Estado simbolizava a nação em detrimento de qualquer dinastia, classe fidalga ou grupo politico. Explicitando o Estado como coisa pública, inalienável ao conjunto dos cidadãos portugueses. Postulando que ser republicano, significaria ser o português que objectivava a sua pátria restaurada mediante a tolerância das ideias, corrigindo os erros perpetrados por parte das gerações que anteriormente fundaram e dirigiram a primeira república.
Por este motivo o Democracia afirmava a moralização da actividade politica, libertando-a das condicionantes do individualismo vadio e madraço, que distanciava progressivamente Portugal da restante Europa. Patente no seguir do movimento intelectual preconizado pelos seareiros, onde evidenciavam António Sérgio e Raul Proença, como seus doutrinadores através dos seus artigos. António Sérgio explicita a critica ao isolamento dado pelo nacionalismo conservador, que insistia em recusar abrir as portas da nação aos movimentos civilizadores que percorriam a Europa. Remetendo a resolução deste problema para a construção da equidade educacional mais eficiente.
Promovendo a apostolização destes princípios através de uma propaganda educativa moralizadora, tendente a consolidar e reconstituir em bases mais sólidas e proficientes a sociedade republicana. Prefigurando a criação da verdadeira mentalidade democrática, resultante dos índices extremamente elevados do analfabetismo no país. O que exigia uma permanente leccionação do civismo presente na criação da alma republicana, generalizada a todos os cidadãos, directamente conexionada com governabilidade da nação, tornando o povo mais interventor na totalidade societária.
Garantindo a manutenção do bem comum, para que cada cidadão livre e conscientemente pudesse fazer valer os seus direitos, o que por conseguinte implicava a existência de uma consciência cívica consubstanciada na existência de maiores índices de cultura. Só assim se conseguiria modificar a opinião pública, visto esta entre nós ser uma mentira, aliada a existência de uma população ignorante e apática, existente nos campos, dificultando a vivência em democracia, num pais cujos indivíduos tinham uma noção muito triste do que lhes cabia como membros políticos, do grupo social que constituíam, impondo-se a todos os governantes o esforço pela educação cívica do povo.
Noutra vertente o federalismo, patente na defesa das ideias de José Félix Henriques Nogueira, em que o governo fosse feito pelo povo e para o povo, sobre a forma filosófica e prestigiosa da Republica. Mediante a federação em que Portugal pequeno e oprimido procurasse conjuntamente com os restantes povos peninsulares a força, a importância e a verdadeira independência. Repelindo a fusão alegando que corresponderia a perda de individualidade. Constituindo-se a confederação dos Estados Unidos da Ibéria. Conjuntamente com a promoção da descentralização através do aumento das liberdades municipais e a associação voluntária.
Não competindo ao município legislar, mas sim concorrer por meio dos seus representantes para a confecção de leis adaptando os regulamentos à sua localidade. Noutra acepção a administração interna, onde o município procurava manter o equilíbrio necessário justo à protecção dos diversos ramos de trabalho.

segunda-feira, novembro 13, 2006

O Cancioneiro do Sado: Jornal Pedro Nunes: II Parte






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Jornal nº 90, 12 de Abril de 1908

Lá em val de guizo
Navegam bateis;
As moças do Sado…
Não valem dez reis!

Todas ellas teem
Calcanhar rachado!
Não valem dez reis…
As moças do Sado!...

_______________________________
Jornal nº 91, 19 de Abril de 1908

As moças do Sado
Ajuntam-se às dez!
Derrubam a lenha…
Co´as unhas dos pés!...


P´ara dentro dos mattos…
Se alguma se embrenha,
Co´as unhas dos pés…
Derrubam a lenha!...

_________________________
Jornal nº 92, 26 de Abril de 1908

Podesse eu amor,
Viver no teu monte;
Conversas teria…
Comtigo na fonte!


Seriam p´ra nós
D´immensa alegria!
Comtigo na fonte…
Conversas teria!...


______________________
Jornal nº 94, 10 de Maio de 1908

Amor se não era
Do teu próprio gosto,
P´ra que me deixaste…
Beijar o teu rosto?!

Quando eu te osculei
Se tu não gostaste,
Beijar o teu rosto…
P´ra que me deixaste?!

________________________
Jornal nº 95, 17 de Maio de 1908

Se eu tivesse a dita
Que a guitarra tem,
Andava nos braços
Do meu lindo bem.

Gosando estaria
De tão doces laços,
De meu lindo bem
Andava nos braços


_______________________
Jornal nº 96, 24 de Maio de 1908

Amores ao longe
Não se podem ter,
Dão muito trabalho
Aquém os vae vêr.

Embora caminhem
Por qualquer atalho!
A quem os vae vêr…
Dão muito trabalho.

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Jornal nº 97, 31 de Maio de 1908

Despreza-me amor,
Se o teu gosto é esse.
- Só fazes as coisas
A quem não merece!

Com tanto adejar
Vê lá onde poisas.
- A quem não merece
Só fazes as coisas!


______________________________
Jornal nº 98, 7 de Junho de 1908

Já lá vae a lima
Cá fica o limão.
- Fiquei sem a prenda
Do meu coração!...


Ainda não fiz
D´amor encommenda.
- Do meu coração
Fiquei sem a prenda!...

quarta-feira, novembro 08, 2006

O Cancioneiro do Sado/Jornal " Pedro Nunes": Uma poesia de Palma

Vale de Reis. A norte de Alcácer do Sal

A poesia é um mundo próprio, com as suas regras e os seus autores anónimos, perdidos no tempo, mas que perpectuaram as palavras numa memória de oralidade que sobreviveu até ser registada em suporte escrito.
Trata-se de um mundo rico de sentimentos que preveligia uma oralidade, com uma lógica diferente da escrita.Sendo oral predomina o som, um sentido musical que se insere num mundo social, rural ou urbano, de difícil quotidiano, que importa conhecer. Como norma, só sabemos responder às perguntas que somos capazes de responder e ver o que queremos ou sentimos necessidade de olhar.
Com a poesia popular poderá passar o mesmo. Não é fácil compreende-la, mas na perpectiva da minha formação, olho este património imaterial como um registo de um tempo que existiu, num quotidiano aparentemente próximo cronológicamente, que deixou escassas marcas documentais, mas que começa a ficar estranho em relação ao contexto social actual.
Aprendi a analizar a poesia como um manacial documental de uma determinada época. Comecei pela poesia muçulmana do al-Andalus.
Num poema de Muhammad ibn Wazir/Final do século XII, podemos sentir a descrição de uma luta contra cristãos, como uma alegoria de uma "dança", o que soa estranho numa sociedade islâmica tardia que dá mais valor ao homem sábio "ulema" do que aos "senhores da guerra".
Trata-se de um bom registo de como se fazia a luta nessa época, porque é rica em pormenores muito interessantes.
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Encontramo-nos. Cruzaram-se sabres,
Golpes sobre golpes em voltas de mó.
Espadas agudas jogavam em torno
De nossas gargantas e das dos contrários.
Enquanto uns na sela se mantinham
Outros havia rolando pelo chão.
Peito eu não vi sem seta cravada
Nem veia sem provar a cimitarra.
Sem descanso nós fomos combatendo
Refúgio buscando no elmo e na lança.
Ah, quanta bravura de ambos os lados!
Por fim carregámos, eles vacilaram,
E o que vacila, sem remédio, cai!
(retirado de Adalberto Alves (ed. )O meu coração é arabe. A poesia luso-árabe, 2ª ed., Lisboa, 1991, página 126.
Para aqueles que caiam em combate, é interessante na perpectiva islâmica saber o que acontecia. Transcrevemos um hadiz de Ibn Abi Zamanim, traduzido do árabe por Arcas Campoy. Trata-se de um texto muito poetico.
(A minha tradução da versão da autora citada. Original - Garcia Fitz. 2005. Las Navas de Tolosa. página 451)
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.... se abrirão as portas do Paraiso na linha do combate e na linha da oração e quando montarem os vossos cavalos e os alinhares frente ao vosso inimigo, as huríes (mulheres belas do paraiso) de negras pupilas vão se engalanar com seda verde e cinturões amarelos de pérolas e mostrarão os seus seios e o rosto e depois montarão um dos cavalos do Paraiso com patas de jacinto e virão por-se por detrás de vós e enquanto aguentarem elas os apoiarão e se forem derrubados, elas ajudarão no vosso sofrimento e dirão - Hoje acaba para ti o mundo e as penas, depois estarás junto ao senhor, o generoso e bebereis o vinho selado e escolhareis como vossa esposa uma de entre as huríes de negras pupilas.
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Era assim que os alcacerenses muçulmanos sentiam a guerra de fronteira com os cristãos e não tinham receio da morte em combate, porque sabiam que morrendo como mártires teriam direito a uma huríe/mulher de sonho, morena com as suas pupilas negras. Talvez assim se compreenda a manutenção desta base militar até 1217.
Depois tive acesso a uma poesia do ultimo governador islâmico de Alcácer - Abdallah ibn Wazir, que faz uma critica social e politica do seu tempo. Mas o que deixou admirado é num poema seu (ainda em árabe) onde o poeta falar da tristeza que sentiu quando o seu cão de caça morreu numa caçada nas florestas de Alcácer.
Em suma, a poesia é um documento de uma época, rico em informação historigráfica fundamental para compreender a alma de uma sociedade. Nela podemos beber o sentimento intimo de como se sentia em determinadas situações.
Por muito simples que pareça, a poesia popular anónima, é um documento histórico que poderemos analisar, pelo menos é assim que a vejo.
O campo, a paisagem é uma construção de séculos e cada topónimo revela uma necessidade de registo para memória futura, de um acontecimento ou acção que aconteceu. A poesia popular, que bebe a sua inspiração nesse cenário, pode tambem ser encarada nesta perpectiva se a sobermos ler. Ou seja é uma janela aberta para um determinado fragmento do passado.
Mas não podemos esquecer quem faz esta poesia. São homens e mulheres que num quotidiano difícil conseguem criar dentro de si, um espaço intimo, onde conseguem dar brilho e sentimento ao que lhe vai na alma, partilhando com a comunidade fragmentos desse mundo.
O poema escolhido, com mais de 90 anos de registo escrito, foi publicado no jornal Pedro Nunes, nº 230 de 25 de Dezembro de 1910.
É provável que tenha nascido nos campos de Palma em meados do século XIX...
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Tenho cinco amores
Contigo são seis,
Tenho quatro em Palma.
Dois em Valle de Reis.
Com tantos amores
Se expande minh´alma,
Dois em Valle dos reis
E mais quatro em Palma.

terça-feira, novembro 07, 2006

O Cancioneiro do Sado: Jornal Alcacerense "Pedro Nunes". I Parte

António Rafael Carvalho

Por definição, um cancioneiro é uma colectânea de canções ou composições de diversos autores.
Não sabemos como foi efectuada esta recolha de poesia popular e canções, mas vamos transcrever a breve introdução efectuada no dia 8 de Março de 1908, no Jornal Pedro Nunes, no número onde se deu início este cancioneiro do Sado, que poderá dar uma ajuda nesta questão:

Começamos hoje a publicar o Cancioneiro do Sado, que se compõe dos cantares característicos d´esta região. Suppômos que esta nova secção se tornará interessante para os nossos leitores, pela originalidade e pela inspiração que encerram as populares poesias”

É pegando nestas palavras que passados mais de 90 anos, queremos dar o nosso contributo para a perpetuar e divulgar esta poesia simples, mas plena de sabedoria que é testemunho de uma época e de um quotidiano próprios. Neste caso, estamos perante um património cultural de natureza imaterial e por isso mais frágil e muito volátil.
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Jornal nº 85 de 8 de Março de 1908

Ribeira do Sado
Verdura, verdura…
O que é bom acaba,
O que é mau atura!

De ter boas moças,
Tal gente se gaba.
O que é mau atura…
O que é bom acaba.


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Jornal nº 86 de 15 de Março de 1908

Ribeira do Sado,
Ella é toda minha.,
Do Porto d`El Rei…
`Te à Barrozinha!

Tem lindas herdades!
São minhas por lei.,
`Te à Barrozinha…
Do Porto d`El rei.


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Jornal nº 87 de 22 de Março de 1908

Maldito ferreiro
Que tem quanto quer;
Por já não ter ferro…
Malhou na mulher!

A pobre até treme!
Em lh`ouvindo um berro;
Malhou na mulher…
Por já não ter ferro.

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Jornal nº 88 de 29 de Março de 1908

(referencia à Feira Nova de Outubro)

Este é o « ladrão »
Que a « Ritta » cantava;
Lá na feira nova…
Ninguém lhe ganhava!

De boa cantora
Sempre ella deu prova;
Ninguém lhe ganhava…
Lá na feira nova!


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Jornal nº 89 de 5 de Abril de 1908

O Senhor dos Martyres,
Lá nos olivaes,
Senhora Sant ´Anna…
No meio dos sapaes!

Tem seu lindo altar,
Bem feito á romana!
No meio dos sapaes…
Senhora a Sant ´Anna!